Estreia ‘O Grande Circo Místico’, de Cacá Diegues

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(Foto: Divulgação)
Por Luiz Carlos Merten/Estadão Conteúdo  

Desde que se conhece por gente, Cacá Diegues tem sido um admirador da obra do poeta Jorge de Lima. A alcunha de ‘poeta’ deve-se ao fato de que metade de sua obra literária é constituída de poemas e sonetos. Mas Jorge de Lima escreveu também romances, a par do seu complexo A Invenção de Orfeu, poema que, pela diversidade de formas e ritmos, desafia classificações. Essa fascinação por Jorge de Lima é produto de uma vida inteira, por parte de Cacá. Há 12 anos, ele havia realizado seu último filme como diretor, O Maior Amor do Mundo. Não se manteve inativo. Produziu muito, pensando no que gostaria de fazer.

Voltou a Jorge de Lima. Escolheu O Grande Circo Místico, um pouco por causa do espetáculo com música de Chico Buarque e Edu Lobo – que não viu, mas a trilha o acompanha sempre. “O poema conta a história de uma família ao longo de 100 anos. Fulano e fulana casaram-se, tiveram tal filho, que conheceu não sei quem, tiveram um filho ou filha, que se casou com… E assim vai até o desfecho com as duas garotas no trapézio.”

Com o roteirista George Moura, a grande dificuldade foi criar uma estrutura narrativa para preencher esse século. “Usamos a passagem do Cometa Halley pelo Brasil e criamos o ‘meneur du jeu’, o apresentador do circo, Celavie, interpretado por Jesuíta Barbosa.” O Grande Circo Místico estreia nesta quinta, 15, em salas de todo o Brasil. O filme já esteve no Festival de Cannes (fora de concurso), abriu Gramado e encerrou o Festival do Rio, no fim de semana. É o candidato do Brasil para concorrer a uma vaga no Oscar. Cacá, que já ganhou na Academia Brasileira de Letras, agora tem de vencer na de cinema, de Hollywood. A disputa será pesada, com candidatos de peso. Alemanha (Never Look Away, de Florian Henckel von Donnersmarck), Argentina (O Anjo, de Luís Ortega), Coreia do Sul (Em Chamas, de Lee Chang-dong), Itália (Dogman, de Matteo Garrone), Líbano (Cafarnaum, de Nadine Labaki), México (Roma, de Alfonso Cuarón), Polônia (Guerra Fria, de Pawel Pawlikowski), Turquia (A Árvore dos Frutos Selvagens, de Nuri Bilge Ceylan), etc.

No total, são 87 países disputando as cinco vagas – uma lista de nove pré-indicados pela Academia será divulgada no começo do ano Os cinco definitivos somente em 22 de janeiro de 2019, com todos os demais indicados. A premiação ocorrerá um mês depois, em 24 de janeiro. Cacá está feliz por estar nessa corrida mais uma vez – leia abaixo. É o primeiro a fazer o que pode parecer uma autocrítica, mas talvez seja só um desabafo. “É meu filme mais megalômano, nunca mais quero repetir a experiência.”

Aos problemas de um filme grande, somaram-se outros, de ordem mais pessoal. Sua filha ficou doente – já está bem, mas ele não quer falar sobre isso – e a produção parou. Quando retornou, houve outro pesadelo. O efeito final – as garotas nuas soltas no ar -, por acordo de coprodução, foi feito na França. Revelou-se mais complicado do que parecia. Teve de ser refeito.

Tudo isso é passado. O circo como representação metafórica da grandeza e da miséria humanas já seduziu autores como Ingmar Bergman (Noites de Circo), Charles Chaplin (O Circo), Cecil B. de Mille (O Maior Espetáculo da Terra), etc. Ao maior espetáculo do último, Bergman e Chaplin respondem com o que talvez seja o menor espetáculo. Cacá talvez esteja mais do lado do francês Max Ophüls, com sua obra-prima truncada – Lola Montès. Ophüls, o cineasta da valsa, sonhou um filme em que a vida da sua protagonista (Martine Carol) era contada, de forma descontínua, como espetáculo circense. Foi um filme adiante de sua época, em meados dos anos 1950. Foi mutilado pelos produtores. Ophüls morreu logo depois.

Cacá está vivíssimo, e já sonhando com o próximo filme – pequeno Será A Dama, uma história que volta à herança da ditadura militar. Pessoas que integraram a luta armada foram presas e exiladas, e são reunidas numa casa. Por que, por quem? Um acerto de contas? “Com certeza”, e mais Cacá não antecipa, um pouco por causa do spoiler e também porque é um filme de atores, e ele ainda está montando o elenco. Por enquanto, só O Grande Circo Místico. “Senhoras e senhores”, anuncia Celavie – “o espetáculo vai começar.” Cacá colocou muita energia nesse projeto. Sabe que o ano está sendo difícil para o cinema brasileiro, mas não perde a esperança de uma boa acolhida.

Não perde a esperança no Brasil. Cacá pertence a uma geração, a do Cinema Novo, que acreditava no cinema como instrumento de transformação e lutou para colocar o povo na tela. Está apreensivo pelo futuro do País, ainda tentando entender como tanta gente quis dar esse salto no escuro com o presidente eleito. Mas não gosta desse movimento ‘vamos resistir’. “A gente resiste ao autoritarismo, à violência. Pode-se discutir muita coisa do processo, mas ele foi eleito. Temos de respeitar o resultado das urnas. ‘Resistir’ é coisa para o futuro, dependendo do que vier.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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