Milton Nascimento fala sobre a turnê ‘Clube da Esquina’ e a obra memorável

Por Adriana Del Ré / Estadão Conteúdo

Ouvir as canções do Clube da Esquina nos transporta a universos eloquentes, poéticos. Há uma série de estudos e teses sobre o tema que tenta decifrar essa admirável obra, construída a partir dos encontros de jovens músicos nas esquinas do bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, na década de 1960. Milton Nascimento conheceu os irmãos Borges (Marilton, Márcio e Lô) no Edifício Levy. Da turma, faziam parte também Wagner Tiso, Fernando Brant, Beto Guedes, Flávio Venturini, e outros. Apesar das teorias bem elaboradas, Milton prefere uma definição simples e afetiva sobre o Clube da Esquina – que ganhou status de ‘movimento’ na história da música brasileira. “Foi um encontro de amigos”, diz o cantor e compositor, de 76 anos.

Com as comemorações de 45 anos do álbum Clube da Esquina, de Milton e Lô (1972), em 2017, e de 40 anos do disco Clube da Esquina 2 (1978) no ano passado, surgiu a ideia de reviver essa obra no palco de uma maneira inédita: reunindo as canções dos dois discos. A turnê Clube da Esquina estreia em Juiz de Fora, no dia 16 de março, e segue para outras cidades, incluindo Rio, Lisboa, Porto, Zurique, Paris, Amsterdã e Madri. Em São Paulo, no Espaço das Américas, o primeiro show, no dia 27 de abril, já está com lotação esgotada, e, para a data extra, no dia 28, há poucos ingressos.

No repertório, estão canções como Clube da Esquina 2, O Trem Azul, Cais, Cravo e Canela, Maria, Maria e Nada Será Como Antes, além da clássica Para Lennon e McCartney, tirada do disco solo Milton, de 1970 – e que dialoga com essa história. Aliás, foi com Para Lennon e McCartney que Milton abriu seu show no sábado, 26, no Mineirão, como hino de amor a Minas após a tragédia em Brumadinho – e, nas redes sociais, ele replicou a frase: “Brumadinho: Não foi desastre. Foi crime!”.

Segundo a assessoria de Milton, a participação de outros integrantes do Clube na turnê ainda não é confirmada, mas pode haver alguma surpresa. Milton falou com o jornal O Estado de S. Paulo por e-mail.

A ideia de realizar um show do Clube da Esquina era algo que você relutava em fazer?

Não me lembro de ter pensando algo assim no sentido de relutar, isso acho que não. Até porque nós fizemos turnês dos dois discos (do Clube) na época de ambos os lançamentos. O que eu nunca tinha feito antes era uma turnê com o repertório dos dois discos, e é isso que vai acontecer neste novo projeto. Ele será todo dedicado ao repertório dos Clubes 1 e 2. E essa foi uma ideia do meu filho, Augusto Nascimento, que, além de meu empresário, é também o diretor artístico deste show, ao lado de Wilson Lopes, responsável pela direção musical.

Você é saudosista? Pergunto isso no sentido de: quando você canta ou ouve as músicas do Clube, tem saudade daquela época, daquele encontro de amigos?

Aquela época do Clube foi de muita importância na minha vida. Mas posso dizer tranquilamente que o momento atual aqui em Juiz de Fora, onde moro hoje em dia, além do meu convívio pessoal, familiar e também na estrada com o pessoal que trabalha comigo, é das melhores coisas que já me aconteceram.

O repertório do show vai abranger os dois discos do Clube, mas, segundo você já adiantou, serão mais músicas do primeiro álbum? Por quê?

Primeiro por conta do tempo do show, e depois pelo fato de que por ter sido o primeiro disco dessa fase, o Clube 1 talvez seja aquele que esteja com o repertório mais presente entre os pedidos dos fãs. E isso acontece em praticamente todos os nossos shows, e o lance que a gente mais gosta é deixar as pessoas felizes.

Numa entrevista que fiz com Lô Borges, ele se recordou com carinho de quando conheceu você em Belo Horizonte. Ele disse: “É coisa do destino: eu, com dois meses morando no centro em BH, conheci o Milton e o Beto (Guedes), pessoas fundamentais na minha vida. No primeiro mês, conheci o Milton na escadaria do prédio e Beto andando de patinete”. Qual a lembrança que você tem desse encontro como os irmãos Borges? 

Tudo isso foi uma passagem natural da vida. Eu tinha que conhecer Marilton, depois o Marcinho, para aí sim mais tarde conhecer o Lô e toda família Borges. Uma das lembranças mais fortes que eu tenho desse tempo foi quando eu percebi que o Lô tinha crescido, a gente chegou num bar lá em BH e em vez de refrigerante ele pediu uma batida de limão (risos). Saímos dali e fizemos nossa primeira parceria, Clube da Esquina 1 (Milton/Lô e Márcio Borges).

O Clube da Esquina nasceu em meio à ditadura. Aquele cenário endurecido no Brasil influenciou o surgimento da obra do Clube de alguma forma?

O repertório do Clube 1 foi todo praticamente composto na praia de Mar Azul, Piratininga, Niterói (RJ). E a gente só decidiu sair um pouco da cidade do Rio depois que as coisas foram ficando mais complicadas. Então, de certa forma, essa mudança aconteceu por conta disso também.

A que você atribui o alto nível de qualidade do som do Clube da Esquina? E o quanto as influências (musicais, cinematográficas, etc.) que vocês carregavam na época foram importantes na construção dessa identidade?

O Clube da Esquina foi um encontro de amigos que estava na hora certa e no lugar certo. E, principalmente, que sempre se cercou de pessoas que queriam dividir o melhor do mundo onde quer que fosse: amizade, música e amor, sempre.

Para você, por que as músicas compostas nessa época se perpetuam por gerações?

Nunca gostei de analisar as coisas que a gente mesmo faz. Gosto mesmo é quando as pessoas me contam seus sentimentos. Isso pra mim é o mais importante.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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