Multa a cartório do rombo milionário pode chegar a R$ 12 milhões

Foto: Reprodução

Por Julia Affonso / Estadão Conteúdo

Dos três cartórios extrajudiciais que causaram um rombo de R$ 57 milhões ao Estado, dois estão na mira da Secretaria da Fazenda de São Paulo. O 1.º Tabelião de Notas da Comarca de Guarulhos é alvo de um procedimento que está em andamento, e o 8 º Tabelião de Notas da capital paulista foi multado.

Em abril do ano passado, a Fazenda deflagrou a Operação Semper Fidelis para fiscalizar 10 cartórios em todo o Estado – Barueri, Campinas, Praia Grande, São Paulo e Sorocaba. Os fiscais lavraram Autos de Infração e Imposição de Multas (AIIM) no valor total de R$ 112,9 milhões.

O Estado de São Paulo tem 1.545 cartórios extrajudiciais. De acordo com a Fazenda, em 2017, os estabelecimentos movimentaram cerca de R$ 1,5 bilhão em recolhimentos em favor das Santas Casas, do Instituto de Previdência dos Servidores (IPESP) e do Tesouro Estadual.

Por lei, os cartórios são obrigados a repassar parte de sua arrecadação ao Estado. Os valores são transferidos ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, ao Fundo de Compensação dos Atos Gratuitos do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Complementação da Receita Mínima das Serventias Deficitárias e à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado.

Cartórios do centro da capital paulista, de Guarulhos e de Santos deixaram de repassar R$ 57 milhões. Por ordem judicial, após um rombo de R$ 25 milhões, o 8.º Tabelionato de Notas da Capital de São Paulo está com as portas fechadas. A multa punitiva deve alcançar R$ 12,5 milhões, metade do valor devido.

“Quanto ao 8.º Tabelião de Notas da Comarca da Capital, foram apuradas irregularidades e o procedimento culminou com a lavratura de Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM)”, informou a Secretaria da Fazenda.

A Pasta relatou que identificou a falta de repasse dos valores e, por isso, fez a cobrança administrativa de ofício por meio de lavratura de AIIM. A Fazenda paulista afirmou que o valor está sob sigilo fiscal.

“Sobre os valores recolhidos fora do prazo incide multa de 0,33% por dia de atraso, limitada a 20%, e juros conforme a taxa Selic Além disso, a multa punitiva prevista em lei corresponde à metade do valor devido. A lei estabelece que os notários e registradores são sujeitos passivos por substituição. Assim, o AIIM é lavrado em nome da pessoa física do notário ou registrador”, registrou.

Segundo a Fazenda, há um procedimento de apuração em andamento sobre a conduta do 1° Tabelião de Notas da Comarca de Guarulhos – que está sob nova direção. A Pasta informou que a fiscalização dos cartórios ‘é feita em operações conjuntas com o judiciário, quando da realização de suas correições periódicas, ou em operações próprias a partir do cruzamento de informações disponíveis em bancos de dados’.

Inquéritos

O rombo milionários dos cartórios também está na mira da Polícia Civil. São investigados crimes como peculato e falsificação de documentos.

De acordo com a Polícia Civil, o 1º Distrito Policial de Guarulhos ‘investiga um homem por falsificação de documentos e crime contra a ordem pública’. “O inquérito foi iniciado em setembro de 2018 e está em andamento. A unidade está com diligências em andamento para esclarecimento dos fatos”, informou.

Em fevereiro, o corregedor-geral de Justiça, Geraldo Francisco Pinheiro Franco negou um recurso do ex-titular do 1.º Tabelionato de Notas da Comarca de Guarulhos, Archimedes Gualandro Júnior, suspeito de causar um prejuízo de R$ 1.071 711,92 nos repasses do cartório em 2017. O ex-tabelião foi condenado, em agosto do ano passado, a pagar uma multa de R$ 300 mil.

Durante a apuração, peritos identificaram notas fiscais frias de materiais de escritório no valor total de R$ 650 mil. Segundo a investigação, os produtos não foram entregues.

Em 1.º de abril, a juíza corregedora permanente, Letícia Fraga Benitez, da 2.ª Vara de Registros Públicos, determinou a suspensão provisória do funcionamento do 8.º Tabelionato de Notas da Capital de São Paulo, do qual Douglas Eduardo Dualibi era titular. A magistrada proibiu ‘expressamente’ a lavratura de atos notariais em nome do cartório, que fica na Rua XV de Novembro, centro histórico de São Paulo.

A reportagem foi ao cartório no dia 10 de abril e encontrou o imóvel fechado com um comunicado colado do lado de fora. “O acervo do 8.º Tabelionato de Notas, localizado na Rua XV de Novembro 193, será recolhido ao 9.º Tabelionato de Notas, localizado na Rua Marconi 124, do 1.º ao 6.º andar, fica nomeado o senhor José Roberto Bueno, na qualidade de responsável, ao qual competirá a guarda de todo o acervo desta Unidade.”

O processo que apurou a falta de repasse de cerca de R$ 25 milhões do Tabelionato ao Estado também virou inquérito na Polícia Civil. Segundo o Ministério Público de São Paulo, a investigação do 10º Distrito Policial mira o crime de falsificação de documento público.

“O inquérito ainda não foi relatado ao Ministério Público de São Paulo”, afirmou a Promotoria.

Também ainda não chegou à Promotoria a investigação do 1º Distrito Policial de Santos sobre peculato e falsidade ideológica oriunda do rombo de R$ 31 milhões no 2.º Cartório de Registro de Imóveis da cidade. A Justiça tirou Ary José de Lima da titularidade da unidade em 2017.

Quando o rombo de R$ 57 milhões foi revelado, as defesas e associações se manifestaram desta forma.

Com a palavra, a defesa de Douglas Eduardo Dualibi

“Os processos das Corregedorias Geral e Permanente tramitam em segredo de Justiça, desta forma não podemos nos manifestar sobre seu conteúdo. Assim, não podemos sequer confirmar se suas premissas são verdadeiras. Notadamente porque o Tabelião Dr. Douglas Eduardo Dualibi foi afastado da Serventia em novembro de 2018, quando todos os pagamentos aos funcionários estavam em dia e não mais assumiu o tabelionato desde então.”

Com a palavra, a defesa de Archimedes Gualandro Júnior

“A apuração dos fatos se deu no âmbito administrativo, a partir de um laudo elaborado de modo superficial por um contador que não conhece a fundo a atividade dos tabeliães.

Esse laudo, que está sujeito a impugnações em processo judicial próprio, criou distorções que resultaram na imposição da multa de 300 mil reais.

Uma das distorções é a afirmação que o Tabelião fez uso de notas frias da empresa Exataprint, quando na verdade o que foi constatado pelo contador é que aquela empresa estaria irregular perante o CADESP (Cadastro de Contribuintes do ICMS). O fato não tem nenhuma relação com o ato de compra de materiais de escritório pelo Tabelião, sendo um problema da empresa Exataprint com o fisco Estadual. O Tabelião comprou, recebeu e pagou pelos materiais de escritório aplicados na atividade do cartório, tendo da Exataprint as respectivas notas fiscais, nada além disso.

Também foi desconsiderado para os fins da aplicação da multa que o gerenciamento administrativo do cartório não era feito pelo Tabelião Archimedes, mas por seu substituto. Portanto, jamais poderia ser responsabilizado pela alegada falta de repasses ao Estado. Além disso, o laudo apresenta falhas na apuração dos valores, tendo sido superficial.

Por fim, quanto à aposentadoria, era desejo do Archimedes há muito tempo, antes de qualquer procedimento administrativo. A atividade notarial é exaustiva e Archimedes já se encontrava nela há quase 50 anos. Não há relação da aposentadoria com a abertura do processo administrativo.”

Com a palavra, a defesa de Ary José de Lima

A reportagem fez contato com a defesa do ex-titular do 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos. O espaço continua aberto para manifestação.

Com a palavra, a Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo e o Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo

A Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo (Anoreg/SP) e o Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo (Sinoreg/SP), entidades representativas dos notários e registradores paulistas, lamentam profundamente os problemas diagnosticados nos Cartórios citados na reportagem, que resultaram no afastamento de seus titulares e na decretação de intervenção no 8º Tabelião de Notas de São Paulo.

As entidades, que infelizmente não possuem poder fiscalizatório sobre os cartórios extrajudiciais, destacam que a responsabilidade administrativa e financeira de cada unidade de serviço é exclusiva de seu titular – selecionado por meio de concurso público – cabendo exclusivamente ao Poder Judiciário a fiscalização sobre a prestação dos serviços, bem como dos devidos repasses e recolhimentos previstos em Lei.

A Anoreg/SP e o Sinoreg/SP reforçam que, embora hajam exceções lamentáveis e que devam ser corretamente fiscalizadas, os Cartórios extrajudiciais fiscalizaram gratuitamente aos cofres públicos a arrecadação de 45 bilhões de reais ao ano no País e repassaram, somente a título de Imposto de Renda, mais de 1 bilhão de reais, sem contar os repasses estaduais ao Estado de São Paulo, ao próprio Tribunal de Justiça de SP para a fiscalização e reaparelhamento, ao Ministério Público, ao Fundo do Registro Civil, à Santa Casa de Misericórdia e aos municípios paulistas.

A Anoreg/SP e o Sinoreg/SP lamentam ainda a situação delicada em que foram deixados os funcionários e colaboradores da referida unidade, rogando para que as autoridades, assim como os antigos titulares, cheguem a bom termo quanto aos devidos pagamentos a que o Estado e os trabalhadores tenham direito neste momento delicado de suas vidas profissionais.

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