A mudança no conceito de corrupção que une os casos de Lula e Aécio

O que há em comum entre a ação penal do “tríplex do Guarujá”, que levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à cadeia neste mês, e a denúncia da Procuradoria-Geral da República que transformou o senador Aécio Neves (PSDB-MG) em réu nesta terça-feira? Reportagem produzida pela BBC explica a semelhança.

Ambos os casos envolvem empresas conhecidas por três letras: OAS (Lula) e JBS (Aécio). Mas há mais que isso: nos dois, a acusação deixou de indicar o que exatamente o tucano e o petista fizeram em troca dos favores dos empresários, o chamado “ato de ofício”.

Tanto Aécio quanto Lula foram denunciados pelo crime de corrupção passiva. Segundo o Código Penal brasileiro, esse crime ocorre quando uma autoridade recebe uma vantagem em função do cargo que exerce (ou exerceu).

Até recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) exigia também que a acusação indicasse qual foi o “ato de ofício” praticado pela autoridade para caracterizar o crime de corrupção passiva.

A falta do “ato de ofício” foi um dos motivos, por exemplo, para a absolvição em 1994 do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL), alvo de um processo derivado do escândalo que havia levado ao seu impeachment dois anos antes.

Mas no julgamento do mensalão, em 2012, o Supremo afrouxou este entendimento: há corrupção desde que o político ganhe por algo que ele tenha a possibilidade de fazer (como um deputado que ganha “mesada” para votar com o governo), mesmo que o ato não se concretize. E agora, na Lava Jato, alguns ministros do STF têm entendido que o “ato de ofício” não é mais necessário para que haja o crime de corrupção: este é apenas um motivo para aumento de pena.

O julgamento que levou ao acolhimento da denúncia contra Aécio Neves, nesta terça, foi o primeiro em que os ministros dispensaram o “ato de ofício” ao tratar de um político muito relevante – com a decisão, o mineiro, segundo colocado na última eleição presidencial, se tornou réu.

A medida tem precedentes na Primeira Turma do STF: em maio de 2017 e setembro de 2016, o colegiado de cinco ministros também havia desconsiderado a exigência do “ato de ofício” ao julgar ações contra os deputados Paulo Feijó (PR-RJ) e Josué Bengtson (PTB-PA).

Há um debate entre especialistas em Direito sobre a necessidade ou não do “ato de ofício” para caracterizar o crime de corrupção passiva. Mas o que todos concordam é que a decisão no caso de Aécio pode ter implicações para vários outros políticos investigados na Lava Jato, assim como na ação penal do “tríplex do Guarujá” – embora Lula já tenha sido condenado na segunda instância e preso, cabem recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF.

Os acusadores também não detalharam, por exemplo, qual foi o “ato de ofício” praticado por Michel Temer (MDB) na primeira denúncia contra ele no caso JBS, apresentada em junho de 2017 e cujo prosseguimento foi barrado pela Câmara dos Deputados, a quem cabe autorizar a continuidade ou não de processos contra um presidente da República.

Acusados do mesmo crime

Nesta terça-feira, Aécio Neves se tornou réu num processo no qual é acusado de receber R$ 2 milhões de propina dos executivos da holding J&F (que controla o frigorífico JBS).

O dinheiro foi pago por Joesley Batista a Aécio por meio de um primo do senador, Frederico Pacheco de Medeiros, e de um ex-assessor do senador Zezé Perrella (PMDB-MG), Mendherson de Souza Lima. Para acusação, trata-se de propina; já a defesa do senador diz que os recursos viriam da venda de um apartamento da mãe dele no Rio de Janeiro (e portanto teriam origem lícita).

Os advogados de Aécio também citam a falta do “ato de ofício” como argumento para dizer que não houve corrupção.

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