Facção faz motim, põe fogo em cela de rivais e mata 57 em presídio do Pará

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Foto: Reprodução
Por Ana Paula Niederauer, Felipe Cordeiro, Felipe Resk, Mariana Haubert, Patrik Camporez, Priscila Mengue e Rita Soares, especial para a AE/Estadão Conteúdo   
Uma briga entre facções dentro do presídio Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRALT), no sudoeste do Pará, deixou 57 detentos mortos, 16 deles decapitados, na manhã desta segunda-feira, 29. A maioria dos mortos no massacre foi vítima de asfixia, após celas terem sido incendiadas. O governo do Pará e o Ministério da Justiça anunciaram a transferência de dez líderes do motim para unidades federais; outros 36 seriam transferidos para cadeias do Estado.A Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará (Susipe) disse que os crimes resultaram de um confronto entre a facção Comando Classe A (CCA) e o Comando Vermelho (CV). O massacre se iniciou por volta das 7 horas, quando líderes do CCA atearam fogo em uma cela que pertence a um dos pavilhões do presídio, onde ficavam membros do CV. Dois agentes prisionais chegaram a ser tomados como reféns, mas foram liberados, sem ferimentos.

Como a unidade é mais antiga, construída de forma adaptada a partir de um contêiner, com alvenaria, o fogo se alastrou rapidamente e alguns dos internos morreram por asfixia. As Polícias Civil e Militar, a Promotoria e o Juizado de Altamira estiveram na unidade participando das negociações para a liberação dos reféns. O motim foi encerrado no início da tarde.

“Foi um ato dirigido. Os presos chegaram a fazer dois agentes reféns, mas logo foram libertados, porque o objetivo era mostrar que se tratava de acerto de contas entre as duas facções, e não protesto ou rebelião dirigido ao sistema prisional”, disse Jarbas Vasconcelos, secretário extraordinário para Assuntos Penitenciários do Pará.

Não foram encontradas armas de fogo no presídio, apenas estoques (facas improvisadas com material precário). O secretário disse ainda que não havia nenhum indicativo do setor de inteligência da Susipe sobre o ataque e, por isso, uma transferência de presos não estava prevista. No sábado, uma arma de fogo e munições foram apreendidas após terem sido localizadas dentro de uma televisão durante revista para entrada de visitantes.

Precário

O CRRALT tem as condições do estabelecimento penal classificadas como “péssimas”, segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicado nesta segunda. Entre os problemas estão a superlotação e o número baixo de agentes penitenciários para garantir a segurança do local. O local também não tem bloqueador de celular ou enfermaria.

Conforme o relatório, a unidade abrigava 343 presos, mais do que o dobro da capacidade, de 163 vagas. Já os agentes penitenciários eram 33. “O quantitativo de agentes no CRRALT é reduzido frente ao número de internos custodiados, o qual já está em vias de ultrapassar o dobro da capacidade projetada.”

Em setembro de 2018, sete detentos morreram e outros três ficaram feridos em uma rebelião no local. Durante o motim, um grupo de 16 presos tentou fugir da unidade, sem sucesso.

O governo nega superlotação no local. De acordo com o Estado, é prevista para dezembro a entrega de um novo presídio pela Norte Energia, responsável pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Também é prevista a nomeação de 485 novos agentes prisionais em agosto.

Apoio

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, conversou nesta segunda com o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e se comprometeu a transferir para presídios federais líderes de facções criminosas responsáveis pelas mortes.

Segundo o ministério, Moro ligou para Barbalho para oferecer ajuda. O governo do Pará disse que o ministro pediu que sejam identificados os líderes das facções que atuam no centro de recuperação para poder providenciar a transferência.

Há cerca de um mês, o Pará transferiu 30 presos para unidades federais, após descobrir um plano de fuga em massa, que envolveria ao menos 400 detentos do Complexo de Americano, em Santa Izabel, na Grande Belém. Na ocasião, Moro destacou a ação em seu perfil no Twitter, indicando que a transferência “desarticulou a organização criminosa e preveniu possível rebelião prisional”.

Nesta segunda-feira, em nota, o governo do Estado disse que o Grupo Tático Operacional da Polícia Militar permanece dentro da prisão. Guarnições de cidades vizinhas foram enviadas para dar reforço a Altamira nas próximas semanas. Informou ainda ter enviado técnicos e peritos de Belém a Altamira para iniciar os trabalhos de identificação e liberação dos corpos.

O Estado destacou que um grupo, que inclui o secretário de Segurança e o comandante da PM, foi criado para evitar “possíveis retaliações” em mais cadeias.

Grupo local

O Comando Classe A é uma facção criminosa que nasceu no Pará há 11 anos e domina o crime na região de Altamira. Segundo a polícia, o grupo está atualmente sob comando de Luziel Barbosa, conhecido como Hebraico, preso em Altamira, e Lucenildo Barbosa, o Lúcio VK, que está foragido. O criador da facção, Oziel Barbosa, o Tchile, foi morto em 2016 em confronto com a polícia. O racha com o Comando Vermelho se intensificou nos últimos meses As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Massacre no Pará é mais um capítulo de disputa milionária pela cocaína

Por Marco Antônio Carvalho/Estadão Conteúdo   

O massacre na cadeia de Altamira repete a estratégia usada por facções para, com brutalidade, tentar dominar parte de uma importante rota de tráfico de drogas na região amazônica. Os assassinatos cometidos pelos integrantes do Comando Classe A (CCA) contra filiados do Comando Vermelho (CV) é mais um capítulo de uma briga nacional que se expressa com maior frequência na Região Norte.

A rota, que começa na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia e segue pelo Rio Solimões até Manaus, transformou-se em uma das maiores portas de entrada de cocaína do País, segundo especialistas e investigadores. É o controle desse mercado lucrativo que move a maior parte dos conflitos entre as organizações criminosas que atuam na região.

Uma briga entre a Família do Norte (FDN), o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) já deixou, desde outubro de 2016, 162 pessoas mortas dentro de presídios de Rondônia, Roraima e Amazonas – sem contar os 57 óbitos desta segunda, em Altamira.

“O Pará é um espaço que também vem sendo disputado pelas facções em função da sua posição geográfica e da importância que tem para o narcotráfico”, explica o pesquisador Aiala Colares, da Universidade Estadual do Pará (Uepa).

Segundo ele, o CCA ganhou força nos últimos anos, ao fazer alianças e entrar na disputa pela cocaína da região. “Se a Amazônia é a porta de entrada dessa droga, é importante para as facções estarem perto dessa porta”, acrescenta Colares.

Mudança

As cidades, onde antes só existiam pequenas gangues, viram os criminosos se organizarem agora em facções. E esses grupos formaram alianças para ganhar ainda mais força, processo que ocorreu ao longo da última década.

No Pará, ao contrário do que ocorre em São Paulo, não há hegemonia. “O Pará tem muitas facções criminosas em disputas que às vezes chegam a ocorrer dentro de bairros, de tão pequenas que são. Há disputa o tempo todo, levando a uma taxa de homicídio muito alta, como a que vemos nos últimos cinco anos”, diz o professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) Jean-François Deluchey.

Ele acredita que, apesar de o CV ter dados sinais de que se consolidava no Estado, uma hegemonia ainda é imprevisível. “A disputa é total e sempre há reações. Agora, o CCA atuou, mas já há expectativa de que o CV vai realizar uma retaliação enorme em todos os outros presídios.”

O massacre acontece em meio ao aumento da sensação de insegurança em todo o Estado, com a força dos traficantes sendo testada pela atuação de milícias, principalmente na região metropolitana de Belém. Chacinas e as numerosas mortes causadas por policiais em supostos confrontos contribuem para um clima de violência crescente.

“Se há controle de toda essa rota, do Solimões à exportação, a facção deixa as outras mais dependentes dela. Caso contrário, é necessário buscar outros caminhos, que necessariamente serão mais longos e, principalmente, mais caros”, explica Colares. Deluchey vê o massacre de Altamira como “a consequência do fracasso da política criminal brasileira”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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