Alimentar os vivos e enterrar os mortos

Por Cesar Graça

Essa é uma frase que se ajusta bem ao momento atual. Só que ela foi dita pelo Marques de Pombal em 1755, quando Lisboa foi assolada por um terremoto, seguido de um maremoto e que culminou com grandes incêndios. Mais de 40% da população da cidade pereceu e 50% das edificações vieram a baixo.

Em função da grande destruição, um enorme esforço de reconstrução se seguiu. A cidade se rejuvenesceu e a política se liberou do atraso de mentalidade. Foi um momento de grande crescimento. Depois disso, Portugal entrou num ciclo de grandes decadências, que teve o maior fato a independência do Brasil.

Grandes crises aceleram os processos sociais. A destruição é muito rápida. A recomposição lenta. É preciso fazer ações rápidas, para preservar a vida dos que sobreviveram. É o que está acontecendo no Brasil neste momento. Se segue um período de lenta recuperação. Uma rara oportunidade de se construir uma nova ordem econômica, social e cultural.

A diferença desta crise que estamos vivendo é que ela é mundial. Todos de uma forma ou outra foram atingidos. Os países mais ricos tiveram as maiores perdas. Eles estavam vivendo um longo ciclo de crescimento, após a crise de 2008-2009.

O Brasil estava tendo se recuperar da recessão de 2015-2016. A retomada vinha sendo muito lenta. Só que 2020 prometia ser bem melhor. A crise atual interrompeu a retomada. Os ajustes precisam ser bem calibrados. Senão a dívida pública dispara, a inflação volta e a retomada demora mais tempo ainda.

A quarentena destruiu uma grande quantidade de empresas e de empregos. Nada vai ser como antes. Empresas que antes andavam mal das pernas, agora pedem falência. Isso já está acontecendo nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, o processo ainda não começou, pois o nosso processo burocrático é maior, mas logo veremos muitas empresas pedindo falência. As empresas que já estão em processo de recuperação judicial rapidamente vão desaparecer. Exemplos são as livrarias Saraiva e Cultura, que estavam agonizando numa lenta recuperação.

Quando os shoppings centers forem reabertos, o tráfico de pessoas deve cair muito em todas as lojas, inclusive nas livrarias. O outro lado da questão é o aumento da competitividade as empresas que só operam através da internet, um exemplo, a Amazon. Mesmo os sebos tradicionais devem sentir as vendas caírem bastante. Vai sobrar poucas lojas. Na Amazon já é possível comprar livros usados, de diversas livrarias. Não vai ter mais espaço para as grandes livrarias de rede. Isso é página virada.

Durante a quarentena as compras pela internet aumentaram muito. Com a reabertura do comércio tradicional, as coisas não vão voltar às posições anteriores. Primeiro o volume global das vendas vai cair, a renda dos brasileiros caiu. Segundo as compras na internet ficaram mais fáceis e rápidas. Essa queda vai obrigar um duro ajuste nas lojas tradicionais. O desemprego no comércio deve aumentar bastante. A procura da eficiência deve reduzir a quantidade de lojas. Muitos shopping centers devem fechar. As pessoas descobriram as vantagens de ficarem em casa mais tempo nos grandes centros urbanos. Sempre que puderem, vão tentar escapar do trânsito das grandes cidades.

Outra mudança é a descoberta que em muitas profissões o trabalho em casa é muito mais produtivo. A maioria das empresas reagia à utilização do home office, pois achava que a produtividade seria menor. Na crise descobriram o contrário. Mesmo as reunião feitas pela internet são mais eficientes. Pois têm menos espaço para conversas desnecessárias. Uma nova ordem de trabalho foi descoberta.

A vida em família volta a aproximar as pessoas. As relações mais próximas são um desafio. A família já tinha se acostumado a ser distante. Os trabalhos domésticos serão muito mais bem distribuídos. O equilíbrio entre as atividades rotineiras e as criativas vai ser o grande desafio.

Antes da crise, o deslocamento no trânsito das grandes cidades roubava muito tempo. Com a difusão do home office as pessoas terão muito mais tempo para fazerem outras coisas, além de trabalhar e se deslocar. A vida nos grandes centros e nas cidades do interior vão se aproximar bastante. O que deve dar uma revalorizada à vida nos grandes centros, principalmente nas periferias, com boa estrutura de transporte. Morar no centros das grandes cidades não será uma grande vantagem. Nas periferias a qualidade de vida será melhor com a proximidade da natureza.

Os picos de transporte vão diminuir. O que deve reduzir os engarrafamentos e melhorar a velocidade dos deslocamentos. As grandes avenidas vão se transformar em estradas dentro das cidades. Tudo vai fluir mais rápido.

As cidades vão se transformar. Os locais de concentração de pessoas ficarão bem mais acessíveis, no entanto as pessoas vão se utilizar desses espaço menos vezes. O contrário vai acontecer com os longos deslocamentos, como as viagens de avião. Elas se tornarão mais rápidas e frequentes, pois vão cair de preço no Brasil. O mundo virtual vai quebrar muitas barreiras. Tudo ficará muito perto. No entanto, a descoberta do mundo real se tornará possível e mais desafiadora. O turismo interno vai crescer bastante, pois vai cair bastante de preço.

O apego ao supérfluo deixava as pessoas presas nos valores materiais. O tempo utilizado para o trabalho vai diminuir. O ser humano vai ter mais tempo para o lazer. As relações sociais e o crescimento interno passarão a ter mais valor. A ameaça de perder a vida numa simples doença provoca transformações. Essa mudança é profunda.

O resultado da pandemia podem ser comparado a uma guerra mundial. As mortes e a destruição não foram tão intensas, mas o espírito das pessoas se transformou. As informações constantes nas redes sociais atingiram as pessoas. A quarentena mudou a rotina de vida, forçou uma reflexão, principalmente para as pessoas com mais recursos financeiros.

Para os mais pobres a quarentena levou ao desespero. Sem trabalho ficaram sem renda. Como não têm quase nenhuma reserva, ficaram se comer, sem pagar a luz, sem dinheiro para o transporte. O auxílio prometido pelo governo foi difícil de conseguir. A volta ao trabalho vai ser bem difícil. A economia vai retomar lentamente. A luta pela sobrevivência do dia a dia vai ser longa. A provação vai ser bem difícil.

Esse é um excelente clima para construir um novo Brasil. As velhas estruturas já ruíram. Muitas empresas quebraram. Muitos políticos perderam totalmente a credibilidade. As eleições de outubro se aproximam. A renovação promete ser grande. Alguns políticos querem adiar as eleições, com a desculpa do Coronavírus, temem os resultados.

Mas o ciclo das transformação já atingiram o ponto do não retorno. Todas as estruturas vão se renovar, inclusive o Congresso Nacional. As eleições de prefeito e vereadores será um preâmbulo. Vai assustar muito.

O poder mudou de mãos. São as mídias sociais que informam a população. As mídias tradicionais, jornal, rádio e televisão, perderam muito da sua força. Por incrível que parece o Brasil se abriu para o mundo. Os brasileiros que estavam no estrangeiro estão voltando. As condições de vida no Brasil são melhores. Eles trazem a experiencia de viverem em outras culturas. Essa experiencia vai se disseminar. Muitos dos que voltaram vão montar empresas, com características muito diferentes das tradicionais.

Tudo isso vai no vácuo do crescimento das exportações do agronegócio, que está batendo recordes de exportações e viabilizando o aumento do superávit da balança comercial. O Brasil continua um país aberto aos investidores estrangeiros e qualquer pessoa pode comprar dólares em qualquer quantidade. Coisa rara entre os países em desenvolvimento. Assunto que imprensa tradicional ignora.

O assunto principal, quase único, é o Coronavírus e os embates do presidente Bolsonaro. Como não existissem outros. Não consegue perceber as transformações que estão ocorrendo. Apesar do Coronavírus e da quarentena a economia brasileira está avançando nas exportações. Um fato que se destaca é o aumento das exportações de carnes. Com a quarentena o consumo interno caiu bastante. O aumento das exportações, principalmente para a China, salvou o produtores de proteína animal. Não chegou a anular a queda do consumo interno, mas diminuiu muito a queda do consumo, exportação mais mercado interno. E sobrou ainda espaço ainda para aumentar ainda mais as exportações de carnes.

Com a recuperação da economia mundial, nos próximos anos, as exportações do agronegócio brasileiro estarão em outro patamar. Ter crescido enquanto todo o mundo estava passando necessidades vai fazer uma grande diferença. As escalas de produção e exportação estão batendo recordes. Só em abril o Brasil exportou 16,3 milhões de toneladas de soja. O que demonstra que a infraestrutura brasileira de exportação melhorou muito. Hoje o Brasil já pode exportar 200 milhões de toneladas de grãos por ano. Algo impensável alguns anos atrás, quando os caminhões ficaram atolados na Br 163.

Se esses números passam desapercebidos pela imprensa tradicional, não passam da mesma forma pelos investidores. Eles sabem que o Brasil está aumentando a sua capacidade de exportações agrícolas. Sabem do poder delas gerarem superávits na balança comercial e facilitarem a retomada da economia brasileira.

Esse é o Brasil real extremamente contraditório, impulsivo, transformador, realizador. Tudo acontece ao mesmo tempo. Nada fica imune, tudo se comunica. Parece irreal. Difícil de compreender.

 

 

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