Dom João VI (II)

Por César Graça

Quando Dom João VI chega ao Brasil em 1808, ele encontra no Rio de Janeiro uma cidade bem simples, apesar de ser a capital do Brasil. A riqueza da colônia estava em Minas Gerais não no Rio de Janeiro. A maior população também. Rio de Janeiro era só um porto para enviar as riquezas produzidas em Minas Gerais para Lisboa. Era só um entreposto das minas, mais perto de Portugal, que Salvador.

Com a chegada da corte portuguesa tudo mudou. A cidade do Rio de Janeiro, de repente, virou a capital do reino de Portugal. Foi um salto e tanto. Foi algo que os brasileiros não estavam esperando. Ninguém estava preparado para nada. Tudo foi feito aos improvisos e correrias. Mas na cabeça de Dom João VI havia o projeto de transferir a capital do reino de Portugal, em definitivo, para o Brasil. Foi criando instituição atrás de instituição: Academia Militar, Escola Naval, Imprensa Régia, Jardim Botânico etc.

Tudo caminhava para uma grande construção. A Missão Francesa já dava um ar de luxo à nova cidade que ele estava construindo. As obras feitas tinham um ponto de vista diferente: documentavam o povo em geral. O que era uma grande novidade. Antes, os escravos simplesmente não existiam. Debret fez um livro com pinturas do cotidiano do Rio de Janeiro, Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, em 1834, publicado em Paris. Que até hoje são um marco daquele tempo. Taunay também pinta as paisagens do Rio de Janeiro. As pinturas sobre os indígenas, os negros e a natureza chamam atenção dos europeus. Tudo era desconhecido. É a redescoberta do Brasil para os europeus.

Depois das invasões estrangeiras, francesas e holandesas, Portugal fechou o Brasil para os estrangeiros. Os naturalistas europeus não podiam entrar no Brasil oficialmente. Tudo era feito para esconder os tesouros da mais rica colônia de Portugal. As fábricas, a impressa e as faculdades eram proibidas, para criar mais dependências da metrópole. As únicas escolas eram católicas e visavam a formação de padres. Os brasileiros que quisessem fazer um curso superior teriam que ir para a Europa. O mais comum era ir para a Universidade de Coimbra, em Portugal. A maioria dos bens industriais eram produzidos na Inglaterra. Mas o comércio sempre era feito através de Portugal. O Brasil produzia principalmente ouro e pedras preciosas, que iam obrigatoriamente para Portugal. O Brasil era uma colônia de Portugal. E Portugal era uma colônia da Inglaterra. O Brasil era uma colônia da colônia, uma colônia de segunda classe.

A chegada de D. João VI foi uma grande abertura para os brasileiros. O que provocou uma imigração, principalmente de europeus para o Brasil, muito incentivada pelo governo brasileiro. Que pagava as despesas da viagem e dava terras para os recém-chegados. Essa imigração vai mudar a cara do Brasil. O que antes era a miscigenação de três raças – o índio, o europeu e o negro – se tornou muito mais complexa.

Hoje o Brasil é a nação que tem a maior mistura de raças. Esse é o primeiro choque que o visitante sente quando chega pela primeira vez. A mestiçagem está por toda a parte. O que dá uma riqueza visual e cultural. O que é um traço bem português. O espanhol e o inglês não se miscigenaram com o índio. Essa separação, até hoje, é percebida nos países da América. O português é diferente. Ele cruza com todas as raças. O que cria um comportamento diferente no Brasil. Aqui, todas as raças se fundem num comportamento de integração.

Dom João VI faz um grande esforço para dar um ar europeu ao Brasil, casando o seu filho, Dom Pedro I, príncipe herdeiro, com uma princesa europeia, a arquiduquesa austríaca Leopoldina em 1817.  Apesar de ser um negócio de estado, a vontade da noiva contava bastante. Apesar de só conhecer Dom Pedro I através de um retrato. A arquiduquesa se encanta com o noivo. O casamento é feito por procuração e Leopoldina viaja para o Brasil cheia de sonhos. O choque com a realidade foi muito grande. Mas os seus primeiros anos no Brasil foram de felicidade.

O império português, agora com sede no Brasil, começa a ter um novo vulto na política internacional. A Europa sofreu muito com as Guerras Napoleônicas. O Brasil só cresceu com a guerra. Com a ligação com a Áustria, o Brasil assume uma nova dimensão.

Em 1820, explode uma revolta na cidade do Porto, em Portugal. É convocada as Cortes, com o objetivo de compor uma constituição para Portugal. O objetivo era criar uma monarquia constitucional, do tipo da inglesa. Onde o rei reina, mas não governa. Quem governa é o primeiro-ministro eleito pela Câmara de Deputados. As Cortes convocam Dom João VI a voltar para Portugal. Se não voltasse, as Cortes ameaçavam trocar de rei.

Em 1821, Dom João VI volta, muito contrariado, para Portugal, após 13 anos de ter vivido no Brasil. Deixa Dom Pedro I, príncipe regente, no seu lugar. Agora começa um período muito instável na política brasileira. Vários caminhos eram possíveis.

A Imperatriz Leopoldina teve um papel decisivo na independência do Brasil e, principalmente, no caminho a ser seguido. Ela junto com José Bonifácio, que era o primeiro-ministro de Dom Pedro I, tinham boa ideia do que uma revolução republicana poderia fazer no Brasil. José Bonifácio tinha vivido em Paris durante a Revolução Francesa. Leopoldina tinha vivido as Guerras Napoleônicas. Ambos eram adeptos do sistema monárquico.

As Cortes, que tinham assumido o poder em Portugal, tinha o projeto de transformar o Brasil novamente numa colônia. É evidente que os brasileiros não queriam esse retrocesso. Havia tropas portuguesas, em bom número, no Brasil, que ainda recebiam ordens de Portugal. As Cortes queriam que o Príncipe Herdeiro voltasse a Portugal.  Se ele voltasse, provavelmente iria explodir uma revolta no Brasil e vários países republicanos seriam criados. Como aconteceu com a América Hispânica.

Com o apoio da população, de Leopoldina e de José Bonifácio, Dom Pedro I proclamou a independência do Brasil. Criando uma monarquia na América. Uma solução totalmente diferente das outras colônias americanas. Foi uma transição bem mais suave que as revoluções republicanas, que aconteceram na América.

O resultado foi que o Brasil permaneceu unido. Apesar de várias revoltas contra o governo central. Esse é um grande legado. Hoje o Brasil é uma nação-continente, em função da maneira que foi feita a independência. Desta forma, o projeto de Dom João VI de criar um reino português no Brasil teve continuidade com o seu filho, Dom Pedro I.

O Brasil que nascia era o projeto pessoal de Dom João VI. Que passa a ser transformado por Dom Pedro I, Leopoldina e José Bonifácio. Entre a chegada de Dom João VI, em 1808, e a Proclamação da Independência, 1822, se passaram 14 anos. Foi um tempo muito curto. É bem verdade que a consolidação demorou um pouco mais. A pedra fundamental quem lançou foi Dom João VI.

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