Troca da Guarda

Por César Graça

A economia norte-americana tem uma dinâmica feroz. As empresas líderes de tecnologia se renovam, umas substituindo as outras. Um exemplo é a Boeing sendo superada pela SpaceX, outra é a GM, pela Tesla. Ambas criadas por Elon Musk.

A Boeing e a GM são empresas tradicionais com mais de 100 anos. Já tiveram momentos de glória. Hoje andam capengando, lambendo as suas feridas da idade. O Congresso dos Estados Unidos virou uma casa de repouso, dando guarita a empresas agonizantes. É inútil. Tudo tem um ciclo de vida. Boeing e GM estão em fase terminal, dando os seus últimos suspiros e espasmos.

O que está ocorrendo é uma grande mudança. Veículos, hoje, são mais software do que hardware. O desenvolvimento do software tem as suas peculiaridades. São mais difíceis de desenvolver. Levam bastante tempo e custam muito caro. E nunca estão prontos. Sempre é possível melhorar. No entanto, quando estão desenvolvidos, a cópia não custa nada. O que leva a uma grande concentração da produção em poucas empresas.

É por esse motivo que a Tesla leva uma grande vantagem sobre os outros fabricantes de automóveis. Elon Musk, CEO (presidente) da Tesla, é um engenheiro de software. Por isso, ele leva uma grande vantagem sobre os outros CEOs. Os especialistas acham que a Tesla está, pelo menos, cinco anos à frente dos concorrentes no desenvolvimento do software embarcado em automóveis.

Mas não é só na área de software que a Tesla está à frente dos concorrentes. Têm duas outras áreas que ela fez grandes avanços: produção de baterias e otimização da linha de produção.

A bateria é um dos itens mais caros num carro elétrico. Mas não é só isso, a quantidade de baterias que vai num carro elétrico é muito grande. Os fabricantes tradicionais de baterias simplesmente não tinham capacidade de produção, para atender as necessidades da Tesla. A saída foi montar novas e enormes fábricas de baterias, em parceria, para atender com exclusividade a Tesla. Logo a Tesla, percebeu que isso também não era suficiente. Em paralelo a Tesla desenvolveu novas tecnologias de produção de baterias mais eficientes e novas fábricas, com custo de produção mais baixo e com maior capacidade de armazenamento de energia. E começou a montar novas mega fábricas de baterias. Isso, sem cancelar as parcerias antigas. Hoje a velocidade de crescimento da produção de veículos da Tesla está limitada pela capacidade de produção de baterias. Imagina a situação atual dos fabricantes de veículos, que não têm fábricas de baterias próprias.

Logo no início, da produção de automóveis elétricos em grandes séries, Elon Musk descobriu que a automação da linha de produção tinha limitações. Nem tudo era só colocar robôs na linha produção. Foi preciso refazer os projetos dos veículos para viabilizar grandes escalas de produção. A Tesla deu vários passos bem ousados. Um deles foi de reduzir a quantidade de peças necessárias para montar a estrutura dos veículos.

A solução encontrada foi pouco comum na área automobilística. Usar grandes prensas que produzissem peças estruturais bem grandes e complexas. Só que essas peças são injetadas de forma líquida a alta temperatura em ligas de alumínio. Depois de injetadas, as peças precisam ser resfriadas, para dar uma boa cadência de produção. Essa é uma tecnologia que poucas empresas do ramo automobilístico usam, por causa do preço desses equipamentos e da dificuldade no desenvolvimento dessas ligas. Só que o resultado é muito bom. Uma grande capacidade de produção a um custo bem baixo por peça.

Para terminar, a Tesla está montando fábricas com a capacidade de fabricar mais de dois milhões de veículos por ano. Hoje a Tesla já tem duas fábricas de montagem de veículos. Uma nos Estados Unidos e outra na China. E está montando mais duas: outra nos Estados Unidos e uma quarta na Alemanha. Especialistas estimam que a capacidade de produção das quatro fábricas será de 6 a 8 milhões de veículos por ano. As fábricas deverão estar em plena capacidade no final de 2025.

É evidente que a GM não está em condições de concorrer com a Tesla. Ela não tem capacidade tecnológica e nem capital para desenvolver produtos que possam competir com a Tesla. Ela vai ter que se reestruturar para sobreviver. Vai ter que reduzir a sua linha de produtos e a capacidade de produção, e tentar produzir produtos para nichos.

Com a Boeing está ocorrendo o mesmo. É uma empresa que perdeu a capacidade de fazer produtos de qualidade. O seu erro foi de dar maior ênfase aos seus acionistas. Aumentou o lucro em detrimento da qualidade dos seus produtos. Usou o lucro para recomprar as suas ações. O que levou a uma valorização momentânea das suas ações.

Para controlar a perda da qualidade dos seus produtos, fez acordos, pouco recomendáveis, com o FAA, órgão regulador da aviação norte-americana. Depois de dois acidentes com mais de 340 mortes, o seu avião 737 Max foi proibido de voar.

Uma investigação do Senado Norte-americano expôs toda a fragilidade da Boeing e da FAA. Depois de 18 meses parado, o 737 Max foi autorizado a voltar a voar. Agora é o 787 que está com vários problemas de construção. Enquanto não forem corrigidos, os 787, em construção, não podem voar. Existe a possibilidade que os 787 já construídos sejam aterrados. O que seria mais um desastre financeiro para a Boeing.

O 777X também está com problemas e o seu desenvolvimento atrasado. Um grande cliente da Boeing, Emirates, está muito decepcionado. É muito provável que logo rompa com a Boeing e cancele as encomendas do 777X, mudando para a Airbus.

De dificuldade em dificuldade, os prejuízos da Boeing vão se acumulando e as novas vendas, escasseando. Reconstruir a imagem de uma empresa é bastante difícil e demorado. Na área de aviões comerciais as coisas não caminham bem para a Boeing.

Mas a Boeing é uma empresa com várias áreas de atuação. Além de aviões de grande porte, ela atua na área de aviões de caça e projetos aeroespaciais. Nesta última também tem enfrentado problemas. Antes, não tinha concorrentes e reinava sozinha. Agora, a SpaceX, também comandada por Elon Musk, tem se mostrado um sério concorrente. Com soluções mais criativas e baratas, baseadas em uso de softwares ousados, que ela trouxe da Tesla. Isso deu um salto de qualidade nos produtos da SpaceX e reduziu muito o custo de fabricação dos seus produtos. O que deixou a Boeing numa situação muito difícil. Os produtos da Boeing, na área espacial, são muito caros e de baixa qualidade, quando comparados com os produtos da Tesla.

Um exemplo, de solução criativa, é a recuperação dos estágios dos foguetes de lançamento. A SpaceX recupera os foguetes, fazendo-os voltar à Terra com um pouso vertical controlado. Com isso, ela pode usar os foguetes de impulsão várias vezes. O que reduz bastante o custo dos seus lançamentos. Até o momento é a única empresa no mundo que consegue fazer isso. Os projetos da SpaceX se baseiam em softwares muito mais avançados do que os da Boeing. Isso se deve à capacidade de desenvolvimento de software da Tesla. Essa é uma característica que Elon Musk imprime às suas empresas. Uma apoia a outra no desenvolvimento de novas tecnologias. Os engenheiros da NASA ficaram entusiasmados com a qualidade dos projetos da SpaceX.

O Congresso dos Estados Unidos ficou muito contente em ter uma nova empresa no ramo espacial. No começo, achavam que o objetivo da SpaceX de montar uma base em Marte eram um pouco ousados demais. Com as conquistas contínuas da SpaceX, começaram a pensar diferente. A comparação da qualidade dos projetos da SpaceX e da Boeing foi inevitável.

Logo começará a questionar o alto custo e a baixa qualidade dos projetos da Boeing. O mesmo que já está acontecendo com o ramo de aviões. A queda da Boeing parece ser inevitável. Só falta definir quando e como. Basta mais um acidente sério, com muitas mortes, para a existência da Boeing estar ameaçada. Vai sobrar respingos para todo o mundo, até para a FAA. Vai demorar um bom tempo para a indústria aeronáutica norte-americana se reerguer, pois não existe nenhuma concorrente da Boeing nos Estados Unidos.

Boeing e GM só são dois exemplos de empresas terminais. Muitas outras norte-americanas estão neste mesmo estado. Outras empresas, tão criativas ou mais que a Tesla, estão substituindo velhas empesas. Tudo isso ocorre num ambiente muito criativo e competitivo. Essa, a realidade dos Estados Unidos muito difícil de copiar.

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