Em queda livre

Foto: Divulgação

Por César Graça

É um documentário recém-lançado da Netflix, sobre a queda de dois aviões da Boeing 737 Max. Mostra como destruir uma grande empresa. Um bom começo é implantar um objetivo errado: colocar a rentabilidade da empresa acima da qualidade dos seus produtos. O título pode ter dois significados: a queda dos aviões e a queda da Boeing.

O mercado dos grandes aviões de transporte de passageiros era disputado por duas grandes empresas, Airbus e Boeing, era um duopólio. A liderança era disputada palmo a palmo. Com o erro estratégico da Boeing, a Airbus assumiu a liderança com larga vantagem. Existe a possibilidade que esse mercado vire um monopólio.

A Boeing ficou com a imagem bem comprometida. Vários dos seus produtos estão problemas de certificação, autorização para voar. A disputa com o FAA, órgão certificador dos Estados Unidos, se tornou intensa.  Os prazos e os custos de desenvolvimento dos seus produtos estouraram. A viabilidade da empresa ficou comprometida. É provável que a empresa venha a pedir falência.

O documentário, em detalhes, mostra os dois acidentes. A partir deles, vai pesquisando as origens. É algo muito estranho. Como uma empresa com uma imagem muito boa de qualidade dos seus produtos se deixou levar pela ideia de melhorar a sua rentabilidade a todo o custo. Foi uma desconstrução deliberada. Os prazos de desenvolvimento e de produção deveriam ser cumpridos a qualquer custo. Problemas eram ocultos. Avaliações eram puladas. Tudo era feito para esconder os defeitos dos projetos.

O mais estranho foi o envolvimento na história do órgão federal encarregado da segurança aérea, o FAA. A Boeing mentia deliberadamente. Ocultava fatos. E conseguia os certificados para as aeronaves voarem, apesar dos defeitos.

No primeiro acidente, alguns fatos foram ocultos no documentário. A companhia aérea da Indonésia, envolvida no acidente, tinha um péssimo histórico de acidentes. Uma semana antes, um avião do mesmo modelo, que caiu, teve um problema semelhante. Um terceiro piloto, que estava na cabine, sugeriu que o sistema automático de voo fosse desligado. O que permitiu que o avião fosse controlado e acidente evitado. Apesar do fato ocorrido. O exemplo não foi divulgado para os outros pilotos da companhia. Só a divulgação desse evento teria evitado o acidente. No dia do acidente, o dispositivo que mede a inclinação do avião foi trocado, pois tinha apresentado defeito no dia anterior. Quando isso acontece, a norma pede que um voo seja feito, sem passageiros, para verificar o seu funcionamento adequando. O que não foi feito. Resumindo, o acidente ocorreu por um somatório de falhas. Algumas da própria Boeing, outras da companhia que estava operando o avião. O documentário falhou ao não apontar as falhas da companhia aérea que estava operando o aparelho. Só deu destaque às falhas da Boeing. O motivo é simples, o roteiro do documentário apresenta o piloto uma vítima de uma situação muito difícil de ser contornada. Em parte, isso é verdade. Mas não toda a verdade.

Entre o primeiro e o segundo acidente, a Boeing tentou esconder as suas valhas, tentando desqualificar o piloto do primeiro acidente. Para os jornalistas da área, depois do segundo acidente, com o mesmo modelo de avião e em diferentes companhias, era evidente que tinha algo de errado.

O documentário demonstra o quanto a imprensa norte-americana é forte. Como os erros das empresas norte-americanas são colocados para o público. Isso ainda não ocorre na imprensa brasileira. Muito dependente da propaganda política e das grandes empresas. Nós tivemos dois grandes acidentes da Vale, a maior companhia de mineração brasileira, que foram tratados com muito sensacionalismo. Mas nenhum documentário mostrou as responsabilidades do governo nos acidentes. De como a Vale burlava as regras de segurança mais básicas para aumentar a sua rentabilidade. Ainda não temos uma imprensa investigativa, que vá atrás das causas dos grandes acidentes. Só por esse detalhe, o documentário Em Queda Livre deve ser visto.

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