O setor aeronáutico

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(Foto: Reprodução)

Por César Graça

A epidemia atingiu em cheio o setor aeronáutico no mundo inteiro. No Brasil, o transporte aéreo interno está se recuperando bem. Na maioria dos países não ocorre o mesmo. A previsão é que o mercado aeronáutico volte ao que era em 2024. Para muitos, essa previsão é bem otimista. É preciso de mais tempo para perceber como o setor vai se recuperar.

O que está afetando o transporte aéreo de passageiros são as fronteiras sanitárias. Muitos países, inclusive o Brasil, colocam muitas restrições para a entrada de estrangeiros no seu território. O objetivo é reduzir a propagação do Coronavírus.

O que não faz nenhum sentido. O vírus já se propagou pelo mundo inteiro. Alguns países sofrem mais, outros menos. O que controla um pouco a propagação são as medidas sanitárias. O isolamento conta pouco. No entanto, os governos dos países fecham as suas fronteiras como propaganda. Vende para o público interno que estão fazendo algo. Tentam esconder as suas deficiências. Em consequência desmontaram a indústria aeronáutica.

No Brasil, está acontecendo uma coisa estranha. O turismo no estrangeiro está quase impossível. Por esse motivo, os brasileiros trocaram o turismo no exterior pelo interno. Para sobreviver os hotéis estão fazendo grandes promoções. É provável que esse comportamento mude a indústria turística nacional. Com preços mais baixos, nos hotéis e nas viagens aéreas, o turismo interno tomou outras dimensões. Parece que os brasileiros redescobriram o Brasil.

No final do ano passado, os voos internos voltaram aos níveis de antes da epidemia. O que está ainda muito baixo são os voos internacionais. Poucos voos estão sendo feitos.

O que está crescendo muito são os voos cargueiros. A maioria dos aviões têm a capacidade de transportar passageiros e carga.  O volume de carga não é desprezível. Apesar da principal receita ser o transporte de passageiros.

Sem os voos mistos, sobraram os voos cargueiros. O volume da carga transportada aumentou muito com a epidemia. Normalmente são itens usados para o tratamento médico ou as vendas pela internet. Com a restrição de circulação, as vendas pela internet aumentaram muito.

O mercado de aviões cargueiros novos também sofre a concorrência de aviões aterrados. Alguns aviões armazenados estão sendo convertidos de passageiros para cargueiros. Existem empresas que se especializaram em fazer essa transformação. Que não é muito barata. Muitas vezes é mais cara que o preço do avião usado. Mesmo assim o custo é muito menor que um avião cargueiro novo.

Resumindo, após a epidemia, o setor aeronáutico não será o mesmo. A epidemia mudou o mercado aeronáutico. A primeira reação das empresas foi aterrar os aviões que estavam sobrando. Poucos continuaram voando. Os maiores e mais gastadores de combustíveis foram os primeiros. Nesta lista se destacam os aviões com quatro motores: A380, A340 e B747. Este último tem a alternativa de se tornar um avião cargueiro. Os dois primeiros vão virar sucata. Muito dificilmente voltarão a voar.

Os aviões que mais estão voando são os menores, pois a demanda caiu bastante. Rotas que antes precisavam de grandes aviões hoje são atendidas por aviões bem menores. Aviões menores e que gastam pouco combustível são os mais demandados.

Para as rotas mais curtas, os turboélices são os aviões mais escolhidos.  Para rotas um pouco mais longas, os pequenos jatos são os mais requisitados. A Embraer tem uma liderança nos aviões a jato de 40 até 120 lugares. Que são muito disputados no mercado de segunda mão.

A entrega de novos aviões está se fazendo a conta-gotas. As companhias de aviação não precisam de aviões novos, precisam de clientes. Quando a demanda aumenta um pouco e novos aviões são necessários, o mais comum é tirar aviões que estão armazenados e colocá-los novamente na ativa.

Com tantos aviões estocados, o preço dos aviões usados caiu bastante. O que está facilitando o aparecimento de novas companhias aéreas em todo o mundo. Enquanto tiverem bastante aviões armazenados, os preços dos aviões usados ficarão baixos. O que dificulta muito a venda de aviões novos. Ou seja, o maior concorrente dos aviões novos são os aviões estocados. Que são bem mais baratos e disponíveis para entrega. Bem ao contrário dos aviões novos, que muitas vezes levam anos para serem entregues.

As fabricantes de aviões cortaram bastante a sua produção. Mas parece que ainda foi pouco. Novos cortes ainda serão necessários. O que deve aumentar os cortes de pessoal. Que são uma mão de obra muito qualificada e difícil de repor.

O mercado de fabricação de aviões é muito concentrado. No segmento dos grandes aviões comerciais só existem duas empresas: a Boeing e a Airbus. No segmento de médios aviões também tinha duas: a Bombardier e a Embraer. A Bombardier não conseguiu sobreviver, apesar do apoio do governo do Canadá e do Reino Unido.

Existem várias empresas que fabricam aviões comerciais. O profundo corte na demanda de aviões novos ameaça a sobrevivência de várias empresas, inclusive da Embraer. A mais fragilizada é a Boeing. Pois ela já enfrentava graves problemas técnicos nos seus aparelhos antes da epidemia. O mais crítico foi o Boeing 737 Max. Que ficou aterrado por quase dois anos, depois de dois acidentes que mataram aproximadamente 350 pessoas.

Mais que um defeito, a investigação feita pelo órgão regulador norte-americano, FAA, demonstrou o quanto displicente a Boeing era com relação à vida humana. O seu objetivo era aumentar o valor das ações a qualquer custo. Vários expedientes foram usados para reduzir o trabalho a ser feito no desenvolvimento e homologação do aparelho. A própria credibilidade do FAA ficou ameaçada. Para a recertificação, a FAA chamou órgãos semelhantes a ela de diversos países, inclusive do Brasil. Foi o primeiro país estrangeiro a permitir o voo do Boeing 737 Max. E a Gol foi a primeira empresa estrangeira a voar novamente com o Boeing 737 Max.

Mas não é só o 737 Max que tinha problemas. Vários outros aviões da Boeing apresentam problemas. Nada que não possa ser resolvido com o tempo. Mas a imagem está comprometida. O custo dessas diversas correções vai pesar nos resultados. Somados com a queda na venda de aviões novos vai levar a empresa a uma situação de insolvência. É muito provável que o governo norte-americano tenha que fazer uma intervenção na empresa, para garantir a sua sobrevivência. Da mesma forma que já fez em outras empresas norte-americanas, como a GM e o Citibank, na crise financeira de 2008.

A Airbus também enfrenta problemas na venda de aviões novos. O principal é a redução da cadência de produção para se ajustar à demanda. Ela já cortou em 40% a capacidade de produção e não foi o suficiente. Vai precisar cortar mais. O que mais assusta a Airbus é a perda da estrutura de produção dos fornecedores. Muitos não vão conseguir sobreviver, se a cadência de produção for muito baixa. Muitos se concentraram em atender só a Airbus. É muito provável que os cortes de produção tenham que atingir mais de 80% dos níveis antes da epidemia. E isso deve ocorrer por vários anos. A previsão atual é que a demanda volte ao normal em 2025. Talvez demore mais tempo. A quantidade de grandes aviões estocados é muito grande. As companhias aéreas vão retomar as suas compras antes dos aviões menores, de 100 a 150 lugares. Bem o nicho da Embraer.

Neste nicho, a Airbus tem o A220, um projeto comprado da Bombardier. E já tem mais de 600 aviões vendidos. O problema é que para viabilizar o avião, a Bombardier vendeu muitas unidades abaixo do custo de fabricação. Ou seja, nem rateou o custo de desenvolvimento do projeto. A Airbus assumiu o projeto e continuou a estratégia comercial da Bombardier. Hoje está fabricando 5 aviões por mês e reclamando que está muito longe de ter lucro no avião. Nesse ritmo a Airbus vai levar 10 anos para atender a lista de pedidos. Nesse avião a Airbus não teve ainda nenhuma desistência. Só alguns adiamentos de entrega. O preço baixo atraiu muitos compradores.

Quando os negócios iam bem, antes da epidemia, a Airbus poderia bancar o prejuízo nas vendas do A220. Os lucros dos outros aviões cobriam com folga. Agora os lucros caíram. O prejuízo começa a incomodar bastante. É provável que alguns clientes queiram adiar ainda mais a entrega dos aviões. O que forçará a Airbus a reduzir mais ainda a cadência de produção. O que deve aumentar ainda mais o prejuízo por unidade vendida.

A Airbus tem três alternativas: bancar o prejuízo, cancelar a entrega dos aviões e pagar as multas contratuais, ou tentar reajustar o preço dos aviões. O mais provável é que ela tenha que usar as três alternativas. A solução final será um grande arranhão na imagem e na rentabilidade da Airbus.

Nesse ambiente de queda da demanda de novos aviões, a situação da Embraer é a melhor das três. Os seus aviões não têm apresentado problemas graves como a Boeing. E nem tem uma quantidade tão grande de aviões vendidos abaixo do custo de fabricação, como a Airbus. A grande qualidade da Embraer é não ter grandes problemas a serem corrigidos.

Quando a demanda de novos aviões voltar, a recuperação das linhas de produção vai demorar. Vai faltar gente qualificada. Muitos dos demitidos não voltarão a trabalhar no mercado de aviação. E a recuperação vai começar pelos aviões menores. Pois eles são os que mais estão voando hoje.

Esse cenário é assustador para os atuais fabricantes de aviões, inclusive a Embraer. Um segmento que pode ajudar os fabricantes são os aviões militares. Eles são comprados por outra lógica. Uma visão estratégica dos governos.

A maioria dos fabricantes de aeronaves civis também atende ao setor militar. Esse percentual varia de empresa para empresa.

O momento é muito delicado para o setor aeronáutico. A ordem atual é sobreviver. É a seleção natural. Quem conseguir, vai sair muito mais forte da crise. Esses momentos de renovação são bem comuns. É só observar a história. Crises ocorrem de tempos em tempos. Fazem parte do caminhar da humanidade.

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