As fronteiras do Brasil com a América Latina

Foto: Reprodução

Por César Graça

Parece que aconteceu de repente. Vários caminhos começaram a ser asfaltados ligando o Brasil a vários países da América Latina, alguns melhores, outros piores. O tema da ligação bioceânica voltou à baila. Só que agora é um Projeto de Estado. Brasil, Paraguai, Argentina e Chile se uniram na implementação de um corredor bioceânico ligando os Portos de Santos e Paranaguá ao Porto Antofagasta, no Chile.

A ligação dos portos do Atlântico com os do Pacífico vai dar uma nova dimensão ao comércio internacional de toda a América Latina. Para os chineses é uma forma alternativa dos produtos agrícolas brasileiros chegarem aos portos chineses mais rapidamente. Pelo Pacífico a rota é bem mais curta. Por outro lado, é uma forma dos produtos chineses chegarem mais rapidamente a toda a América Latina.

A exportação de grãos do Brasil para a China vai crescer muito nos próximos anos. O que vai viabilizar vários corredores de exportação no Brasil e na América Latina. Com esses corredores, o comércio vai crescer bastante. Primeiro vão ser as exportações de grãos brasileiros. Depois o dos outros países. Em seguida, outros produtos vão ser exportados e importados, usando os corredores implantados.

O Brasil está construindo duas novas pontes ligando o Brasil ao Paraguai, financiadas pela Itaipu Binacional, que devem ficar prontas em três anos. Do lado paraguaio está faltando asfaltar 300 quilômetros de uma estrada plana no chaco paraguaio. Pela vontade do Brasil, do Paraguai e do Chile o projeto sai do papel. A Argentina vai a reboque.

O projeto tem tudo para dar certo. Vai cruzar uma região produtora de grãos. Já existe a hidrovia ligando a região ao porto de Buenos Aires, começando no rio Paraguai e terminando no rio da Prata. No Brasil a estrada passa pelos estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. As estradas de ferro no lado brasileiro estão sendo ampliadas, mas ainda não chegaram à fronteira.

O Brasil tem uma longa tradição de fazer negócios com o Paraguai. O maior exemplo é a hidroelétrica de Itaipu. O início da construção ocorreu em 1971 e a sua inauguração em 1984. Um projeto da época dos regimes militares. A hidrelétrica já está em funcionamento há 36 anos. O custo de construção já foi amortizado. Hoje é patrimônio das duas nações.

É o lucro de Itaipu que vai financiar as obras do corredor bioceânico no lado brasileiro e paraguaio. Como todas as obras de infraestrutura feitas no governo Bolsonaro, ela segue um plano diretor.

O primeiro passo foi melhorar a infraestrutura da cidade de Foz de Iguaçu, que estava bem defasada. Uma das principais fontes de renda do Paraguai é o comércio com a cidade de Foz, que está contido por causa do gargalo da Ponte da Amizade. Em alguns momentos essa travessia dura horas. Os maiores prejudicados são os caminhões.

Dentro do primeiro passo, a principal obra é construir uma nova ponte em Foz, separando o tráfego de caminhões do tráfego de turistas. A nova ponte já está em construção, 40% das obras já foram feitas. A previsão de entrega da obra é 2022.

A segunda ponte é em Porto Murtinho, Mato Grosso do Sul, e começa a sua construção ainda em 2021. Com essas duas pontes a infraestrutura pode suportar uma grande quantidade de caminhões nos dois sentidos. Hoje com uma só ponte isso é impossível.

Essa ideia de ligação bioceânica não é nada nova. Já existia, na época do governo do PT, um projeto de ligação do Peru com o Brasil. Essa estrada tinha sido iniciada pela construtora Odebrecht, envolvida no escândalo da Lava Jato.

Parece que boa parte das obras foram feitas. O trecho brasileiro já está totalmente asfaltado. Apesar de que em alguns pedaços a estrada está em condições bem precárias, com muitos buracos. Existe um gargalo que é a ponte sobre o rio Madeira, que liga os estados do Acre com Rondônia, na ponta do Abunã. Essa é uma das obras que ficaram para trás. A ponte ficou pronta, mas uma das cabeceiras precisou ser levantada, por causa das inundações, e um trecho de 400 metros de viadutos foi projetado. A ponte será finalmente inaugurada em março ou abril deste ano.

O maior problema atual é a instabilidade política no Peru. Nos últimos dois anos o Peru já teve cinco presidentes da república. Vários foram presos por corrupção. Enquanto não houver uma estabilidade política no Peru, o projeto da rota bioceânica não vai para frente, por problemas burocráticos.

Outro país da região, Bolívia, também enfrenta uma instabilidade política. Só que a Bolívia não tem saída para o mar. Mas seria beneficiada pelas duas rotas bioceânicas: a que chega ao porto de Antofagasta e a que chega à Lima.

O Brasil tem sérias reservas de fazer negócios com a Bolívia. O projeto do gasoduto da Bolívia com o Brasil teve algumas dificuldades. A Bolívia estatizou uma refinaria da Petrobras. A Bolívia tem imensas reservas de gás, mas não consegue novos clientes. O principal é o Brasil. A Argentina também compra gás da Bolívia. O que restringe é a capacidade dos gasodutos. Mas nem a Argentina e nem o Brasil querem fazer investimentos na Bolívia. O histórico de parcerias não é nada bom.

É muito provável que daqui a alguns anos as duas rotas estejam em funcionamento. O passo seguinte seria a construção de ferrovias que ultrapassassem os Andes. Para isso é preciso ter escala nesse comércio.

Mais ao norte tem a Colômbia. Existem projetos de ligação rodoviária entre os dois países. Mas esses projetos não saíram do papel. Ainda existe um longo trecho na selva Amazônia para as estradas brasileiras projetadas chegarem à fronteira com Colômbia.

A prioridade do governo Bolsonaro é recuperar as estradas na Amazônia abandonadas pelos governos de esquerda. A principal obra é a Br 319 ligando Manaus a Porto Velho, que já teve asfalto em toda a sua extensão. Hoje em mais da metade do seu trajeto é feito em terreno de chão, no período das chuvas fica intransitável.

Mais ao norte tem a Venezuela e as guianas, que não têm ligação com o Pacífico, mas tem com o Caribe. Com a Guiana Francesa o caminho está totalmente feito. Com estrada totalmente asfaltada e pontes feitas. A dificuldade é que a França não quer uma integração com o Brasil. Cobra tarifas altíssimas para os brasileiros entrarem na Guiana Francesa, que é um território francês. E como tal recebe grandes subsídios do governo central. A qualidade de vida lá é muito alta, quando comparada com o norte do Brasil. Existe uma tendência de migração dos brasileiros para lá. O que o governo francês quer evitar a qualquer custo.

Com a Venezuela as estradas são excelentes e totalmente asfaltadas. O problema é o colapso da economia venezuelana. O governo esquerdista destruiu o país.

A integração do Brasil com os países sul-americanos depende muito mais das ligações políticas com o governo brasileiro do que das dificuldades de se construírem estradas. Hoje a ligação do Brasil com o Paraguai e o Chile é muito boa. A Argentina não está tão boa assim. Mas é negociável. Por isso a primeira rota bioceânica vai sair mais ao sul. Ela vai ser um catalisador no desenvolvimento da região.

As outras rotas vão se seguir logo. O exemplo é um forte argumento. Os outros países, principalmente o Peru, vão ver o que acontece e tentarão fazer a sua parte. O estado do Acre está muito perto do Pacífico. O trajeto que a rota bioceânica faz no Peru é bem menor que a rota no Sul, que passa pelo Paraguai, pela Argentina e pelo Chile. A produção agrícola brasileira gera volumes muito altos de exportação. O que viabiliza vários caminhos, no Brasil e na América Latina. Uma vez viabilizado, a rota faz transporte nas duas direções. A redução do custo de transporte possibilita um grande aumento do comércio nas duas direções. A riqueza que ela gera é muito grande.

As novas rotas de transporte vão desenvolver cidades e habilidades. O que vai demandar novas infraestruturas. Uma delas será o transporte aéreo. O Brasil tem uma longa tradição de transporte aéreo. Em algumas localidades da Amazônia o acesso só se faz de barcos, que demoram muito tempo, e através de aviões. Essas cidades ao longo dos corredores de exportação logo vão contar com serviços aéreos regulares. O que vai dar uma nova dimensão ao seu crescimento.

O Brasil, por causa do seu tamanho, tem uma tradição de um crescimento descentralizado. Isso apesar do tamanho da cidade de São Paulo. A Região Metropolitana de São Paulo tem mais de 20 milhões de habitantes. O Brasil tem várias cidades com mais de um milhão de habitantes. E essas cidades, quase sempre, têm uma infraestrutura muito boa. O crescimento de muitas cidades nesses eixos das rotas bioceânicas vai ser muito grande. Muitas vão desenvolver uma boa infraestrutura. Algumas vão se transformar em centros de manufatura, por causa da facilidade de transportar os seus produtos. As rotas bioceânicas serão rotas indutoras de crescimento.

O interessante é que muitas cidades desse trajeto hoje estão quase à margem de qualquer crescimento. Elas vivem como se estivessem no final da linha da civilização. Poucas cidades brasileiras de fronteira têm importância como Foz do Iguaçu tem. Lá o crescimento econômico disparou com a construção da usina de Itaipu. Com uma melhor infraestrutura o tráfego turístico cresceu bastante.

As rotas bioceânicas vão impulsionar a economia da América Latina e desenvolver um novo padrão de integração entre as nações.

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