Aviões menores

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Por Agência Brasil  

Por César Graça

A epidemia derrubou as viagens de avião. Ficou difícil encher grandes aviões. A solução foi trocar os grandes aviões por menores. O que inviabiliza os aviões maiores, principalmente da Boeing e da Airbus. Movimento que favorece muito a Embraer. Neste primeiro instante os aviões usados são a grande atração. Pois a quantidade de aviões usados e parados é muito grande.

Com isso o preço dos aviões usados caiu muito. Em consequência, o custo do leasing caiu bastante.  O que viabilizou novas rotas e novas empresas. Ficou muito atraente montar novas companhias aéreas. Os aviões da Embraer usados viraram a estrela do mercado. São aviões muito rentáveis nestas condições do mercado. Eles têm poucos concorrentes.  Mas os aviões usados geram muita pouca receita para a Embraer. No entanto, geram uma boa imagem. Mostram que os seus aviões têm uma grande utilidade ao longo da sua vida e que ela é muito longa.

A série E2 apresenta duas características muito interessante: uma economia de combustível, ao redor de 20% com relação à série E1, e uma drástica queda do ruído. O que torna muito atraente a sua compra em alguns casos.

O mais atraente, por incrível que pareça, é a característica de baixo ruído. Muitas grandes cidades têm aeroportos centrais. Só aviões menos barulhentos são permitidos, geralmente turboélices. Com a família E2 é possível operar esses aeroportos com aviões a jato. Por causa da sua localização o deslocamento dos centros comerciais para esses aeroportos é facilitado. Com a disponibilidades de aviões a jato mais silenciosos, o raio de atuação desses aeroportos aumenta muito. Esse é um fato novo no mundo aeronáutico. Poder chegar aos grandes centros rapidamente, sem longos trajetos de/para os aeroportos.

A redução do consumo de combustíveis só passa a ser atrativa quando o estoque de aviões a jato usados cair, ou o preço do petróleo subir muito além dos 100 dólares o barril. No atual patamar, de 60 a 70 dólares o barril de petróleo, a economia de combustível não é suficiente para vencer a diferença entre os aviões usados e os novos. Os aviões usados, mesmo mais beberrões, continuam a ser mais atraentes.

Pela situação atual vai demorar algum tempo, de dois a cinco anos, para a demanda de aviões novos da Embraer aumentar. Enquanto isso a demanda deve ser suficiente para manter as linhas de produção operando, mas com bastante ociosidade.

Apesar da sua ampla aceitação os aviões da série E2, por causa da sua economia de combustível e baixo nível de ruído, estão vendendo pouco. As razões são múltiplas. Duas se destacam: a enorme quantidade de aviões prontos 737 Max estocados na fábrica da Boeing e os 600 aviões Airbus 220 vendidos abaixo do preço de fabricação e ainda a serem entregues.

A Boeing teve dois acidentes com o 737 Max que mataram mais de 340 pessoas. Por esse motivo o modelo foi impedido de voar por mais de 18 meses. Durante esse período, a Boeing continuou produzindo o 737 Max e acumulou um estoque de mais de 500 aparelhos. Depois de conseguir a recertificação a venda desse estoque está difícil, por causa da epidemia. As companhias aéreas estão com excesso de aparelhos. Muitas estão armazenando-os em cemitérios de aviões. É provável que muitos nunca mais voltem a voar. Para se desfazer desse estoque a Boeing está fazendo qualquer negócio. Com grandes descontos, os 737 Max ficam mais baratos que os Embraer da série E2 novos.

A maior concorrente da Embraer era a Bombardier, que lançou um projeto bem ousado a Série C. O projeto custou bem mais que o planejado e colocou a empresa numa situação falimentar, isso apesar dos auxílios dos governos do Canadá e do Reino Unido. Para tentar viabilizar o projeto, a Bombardier vendou aviões abaixo do custo de fabricação. No desespero a Bombardier deu o projeto para a Airbus, com o objetivo que ele fosse continuado. A Airbus encampou o projeto e o rebatizou com o nome de A220. E continuou seguindo a estratégia de vender os aviões abaixo do custo de fabricação. As vendas totais chegaram a mais de 600 aparelhos. O que dá uma boa massa crítica para produção do aparelho. A Airbus está perdendo de 10 a 20 milhões de dólares por A220 entregue. O que dá um prejuízo entre 6 e 12 bilhões de dólares. Em tempos normais esse prejuízo seria facilmente absorvido pelas vendas dos outros modelos. Neste momento de dificuldades está muito difícil amortecer um prejuízo desse tamanho. Uma saída é reduzir o ritmo de produção dos A220 para um ritmo suportável de prejuízo. Parece que esse nível seja hoje de 5 a 6 aparelhos por mês.

A Embraer sempre teve o cuidado de não enfrentar os dois grandes: Boeing e Airbus. Pois temia a concorrência. Agora não dá mais. A Airbus está concorrendo diretamente com a Série E2 com os aviões A220, principalmente o A220-100 com o E195-E2. A redução dos preços dos A220 tinha por objetivo tirar a Embraer do mercado de jatos médios. Foi um jogo muito pesado, que impôs um pesado prejuízo à Airbus. Ela ainda não encontrou uma maneira de diminuir o tamanho dessa perda.

A associação com a Boeing, que não deu certo, era uma alternativa que Embraer viu como sobrevivência. Agora não sobrou nenhuma alternativa a não ser de enfrentar os dois gigantes. Algo que a Embraer ainda reluta em fazer. Tem dificuldade em aceitar a nova realidade. A dificuldade está em mudar esse paradigma. Mas paradigmas foram feitos para serem quebrados. Estamos vivendo tempos que a realidade é líquida. Tudo está mudando. Quem não mudar, não vai sobreviver.

A Embraer tem um grande patrimônio que é a sua imagem de uma empresa que produz produtos de alta qualidade. Hoje essa imagem está consolidada mundialmente. Isso é algo que poucas empresas no mercado aeronáutico têm.

Com os dois acidentes com o 737 Max, a Boeing perdeu a credibilidade. Hoje é uma empresa agonizante, que caminha rapidamente para a falência. As investigações feitas após o acidente revelaram uma relação espúria da Boeing com a FAA (Agência Norte-americana de Controle Aeronáutico). A própria imagem da FAA saiu fortemente arranhada do episódio. Ambas as organizações tentam recuperar a suas imagens. Só que isso vai levar tempo. Se um novo acidente de grande porte ocorrer com um avião Boeing será uma crise no mercado aeronáutico norte-americano. Mesmo que as causas do acidente sejam razoáveis. Normais no avanço do desenvolvimento tecnológico aeronáutico. A imagem atual é que a Boeing produz produtos de baixa qualidade e a FAA é uma organização manipulada pela Boeing e que não garante a segurança aeronáutica dos produtos norte-americanos.

Isso abre espaço para a Embraer lançar aviões maiores, na faixa de 200 e 300 passageiros. Algo que os chineses e os russos estão tentando fazer, sem muito sucesso. Hoje os aviões mais desejados estão no tamanho de 200 a 230 lugares e com longa autonomia. É o modelo que está substituindo os grandes aviões que faziam viagens de longo curso. A demanda de voos internacionais caiu muito. A maioria dos países colocou barreiras na entrada de estrangeiros. O que inviabilizou voos com os grandes aviões da Boeing e Airbus.

Outra tendência é de voos diretos. Os passageiros estão evitando o modelo de viagem através dos hubs. Eles estão preferindo voos diretos, mesmo os de mais de 17 horas. A Boeing não tem aparelhos com essa característica. A Airbus está adaptando o A321neo para atender ao mercado. Promete começar a entregar os primeiros aparelhos em 2022.

Com a epidemia as vendas pela internet aumentaram muito. O que aumentou muito a demanda de transporte aéreo. Os aviões cargueiros que estavam estocados nos cemitérios de aviões foram os primeiros a serem colocados em serviço. Muitos aviões de passageiros, que estavam estocados, foram convertidos em cargueiros. Parece que essa tendência veio para ficar. Isso aconteceu até com aviões menores, que não tinham tradição de serem usados exclusivamente como cargueiros. Mesmo alguns aviões da Embraer E1 foram convertidos em cargueiros. Também alguns turboélices foram convertidos em cargueiros. A ATR recebeu pedidos para que novos aviões já saíssem de fábrica cargueiros. Os pedidos vieram das grandes empresas de transporte. Esse é um mercado totalmente novo. As empresas que fazem o transporte de pedidos da internet precisam de diversos tamanhos de aviões. Desde os maiores como o 747 da Boeing até os pequenos ATRs, que operam em pequenos aeroportos com pouca infraestrutura. Esse é um outro lado da tendência da diminuição do tamanho dos aparelhos.

A epidemia mudou o perfil de aviões demandados. Essa mudança vai exigir um grande esforço das fabricantes de aeronaves em projetar novas aeronaves. Longos ciclos de produção terminaram. Os aparelhos vão ter que ser reprojetados com mais frequência. O que vai exigir grandes investimentos e grandes equipes de projetos.

A Boeing está com a sua linha de aparelhos bem defasada. Os seus últimos projetos tiveram vários problemas na fase de certificação e de produção inicial. Ela está com uma grande quantidade de aparelhos novos estocados e sem compradores. Ela está com muita dificuldade de livrar desses estoques, mesmo dando um grande desconto nos preços. Os pedidos que estão chegando são para os novos modelos que ainda estão em fase de certificação. É muito provável que a Boeing demore para entregá-los. O que abre espaço para os concorrentes.

A Airbus está numa situação bem melhor. Os seus modelos estão bem mais atualizados que os da Boeing. A Airbus não teve problemas graves de certificação dos seus aparelhos. Os seus erros maiores são de marketing. O A380 foi tirado de linha por falta de demanda. O avião tem um alto custo operacional. Os seus quatro motores são de geração que consome muito combustível. Os novos projetos de bimotores são muito mais eficientes. Com o A220 o problema foi com relação ao preço praticado. Ela vendeu 600 aparelhos com preço abaixo do custo de fabricação. Na atual cadência de produção, de 5 a 6 aparelhos por mês, vai levar mais de oitos anos para entregar todos os pedidos em carteira. Os clientes que estão recebendo os A220 têm gostado muito e até querem aumentar os pedidos, mas no preço inicial. Não estão querendo pagar os novos preços impostos pela Airbus. O que valoriza ainda mais os A220 que estão na fila de pedidos.

É nesse cenário de uma forte transição que a Embraer deve se reposicionar. No momento atual a Embraer já é uma séria concorrente à Airbus e à Boeing. É evidente os dois líderes de mercado já veem a Embraer como um séria ameaça. É preciso se preparar para o ataque. E a melhor defesa é o ataque. Enquanto a Airbus e a Boeing ficam lambendo as suas feridas e se queixando da vida, a Embraer deveria se lançar a projetar e construir aviões para o segmento de maior demanda do mercado aeronáutico mundial.  E se posicionar com líder do mercado aeronáutico mundial. Se libertar finalmente desse sonho de ser uma Bela Adormecida, pois a vida não é um conto de fadas. É preciso ir à luta com a estratégia de um audaz conquistador. Um bandeirante do século XXI.

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