A Revolução de 30 (II)

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Por César Graça

A Revolução de 30 foi um projeto pessoal de Getúlio Vargas, que ele vai construído passo a passo. Promete muita coisa sem data e espera a reação. Conforme as coisas iam acontecendo, Getúlio ia colocando os seus projetos pessoais em prática. A agenda é positivista – uma construção de uma nova sociedade baseada no conhecimento científico. Era uma utopia.

O pensamento de Getúlio segue o modelo de liderança da sua época – as ditaduras fascistas. Antes de assumir o comando da nação, Getúlio já declara abertamente uma admiração por Benito Mussolini. Getúlio segue muito os modelos ditatoriais europeus. A sua formação positivista o leva a uma reconstrução do Brasil. O que provoca uma grande reação em várias frentes, que são duramente reprimidas.

Nesta primeira etapa, Getúlio fica 15 anos no poder, de 1930 a 1945. Dois eventos externos marcam profundamente o seu governo. O primeiro é a Quebra da Bolsa de Nova York em 1929. O segundo é a 2ª Guerra Mundial, que começa em 1939, com a invasão da Polônia, e termina em 1945, com a capitulação do Japão.

À Quebra da Bolsa de Valores de Nova York, Getúlio cria um plano de sustentação do preço do café. O nosso principal produto de exportação, 80% das receitas era café. Getúlio compra o café dos agricultores acima dos preços internacionais e o estoca. Para tentar melhorar os preços internacionais queima parte do estoque de café em poder do governo brasileiro. Com isso ele isola o Brasil da derrocada da economia que acontece nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. Foi um plano muito audacioso que deu certo. O Brasil sofreu muito menos os impactos da crise de 1929, que os Estados Unidos. O desemprego caiu muito menos. O que reforçou muito a sua imagem e pai dos pobres.

Com relação à 2ª Guerra Mundial, o governo de Getúlio adota uma postura muito dúbia. Se relaciona muito bem com os dois lados, o eixo e os aliados. Vende matérias-primas para ambos. Com isso consegue recuperar a economia brasileira, ainda muito dependente do café. O objeto de Getúlio era começar uma industrialização da economia brasileira. Negocia com a Alemanha e com os Estados Unidos a instalação de uma siderurgia no Brasil. Os norte-americanos precisavam muito mais do Brasil, do que os alemães. Por outro lado, a Alemanha pretendia ocupar parte do território brasileiro e a emancipar do Brasil. A colonização alemã era muito forte em algumas regiões do sul do Brasil.

Getúlio desenvolve um projeto muito forte de manter o Brasil unido. Força uma integração intensa nas zonas de emigração alemã, italiana e japonesa. Não chega a criar campos de concentração, como fizeram os norte-americanos com os seus cidadãos de origem japonesa. Obriga a todas as escolas a alfabetizarem as crianças em português. O ensino primário passa a ser obrigatório. Força uma mudança das professoras das escolas pública de forma que elas não falem a língua estrangeira da região. A língua comum entre as professoras e os alunos tinha que ser o português.

Hoje, cada segmento da população tenta explicar Getúlio a sua maneira. A direita, hoje, vê Getúlio como um esquerdista. Ela tem bons argumentos para isso. O contrário também é verdadeiro. Todo esse contraditório está em Getúlio. Mas antes é preciso compreender o processo revolucionário.

Um bom exemplo é a Revolução Francesa. Os excessos foram enormes de ambas as partes. Cada lado conta uma parte, à sua maneira. Quando se junta as duas partes a compreensão é outra. As transformações foram profundas. Modelo para vários países. A tomada do poder por Napoleão em 1799 muda a direção da Revolução Francesa, que estava sem direção e tinha se tornado uma anarquia. O regime francês passa a ser uma ditadura, que quer conquistar a Europa. Se segue um período de expansão, com guerras sangrentas e grandes conquistas territoriais. Nesta escalada entra Portugal na mira dos franceses. Em 1807, Napoleão invade Portugal. O Príncipe Regente, D. João VI, toma uma decisão inusitada. Muda a corte portuguesa para o Brasil. Isso pega todo o mundo desprevenido, inclusive o próprio Napoleão. Os brasileiros não sabiam o que fazer quando viram a corte portuguesa chegar à Bahia. Por outro, D. João VI sabia o que ele queria fazer – construir uma monarquia nos trópicos. Era o seu projeto pessoal. Ele queria um reino português poderoso. Na Europa, Portugal vivia sempre encurralado entre nações mais fortes: Espanha, França e Inglaterra. No Brasil, a monarquia portuguesa teria um novo futuro.

Os processos revolucionários provocam profundas mudanças no seu entorno. Que por sua vez provocam outras mudanças e assim por diante. São ondas de choque que transformam profundamente o tecido social. Uma revolução influencia a outra. O que mais choca é a violência. Por outro lado, as transformações se aceleram.

A maioria dos processos revolucionários brasileiros quase sempre são um projeto pessoal. Foi assim a Independência e o Primeiro Império. D. Pedro I era uma pessoa muito voluntariosa. No início, ouvia muito a sua esposa, Leopoldina, e o seu primeiro-ministro, José Bonifácio. Depois fez o que quis. O que levou a se indispor com toda a nação. Abdicou em favor do seu filho D. Pedro II e foi viver outras aventuras na Europa.

Foi assim o segundo império com D. Pedro II. Também um projeto pessoal. Já a Proclamação da República foi diferente. Foi o primeiro processo revolucionário de um grupo de pessoas. O núcleo básico estava no Exército, reunidos em volta do pensamento positivista. O Marechal Deodoro foi envolvido pelos revolucionários. Quem construiu a República Brasileira foi o Marechal Floriano. Foi uma batalha difícil. Encontrou muita oposição. Depois se seguiu vários governos que se sucederam. Foi a República Velha. Até a chegada de Getúlio em 1930.

O primeiro governo do Getúlio pode ser dividido facilmente em duas fases: Fase Revolucionária, 1930 – 1937, e o Estado Novo, 1937 – 1945, a Fase Ditatorial. O Estado Novo foi a ruptura dentro da ruptura. Getúlio mostra a sua face de ditador. É o momento da 2ª Guerra Mundial.

Olhando dessa maneira parece que o governo de Getúlio foi calmo. Longe disso. Muito conturbado. Getúlio enfrentou muita oposição. O que era inevitável, pois Getúlio queria mudar as condições de vida dos brasileiros mais pobres. Algo que a elite econômica não queria. Por outro lado, a elite política queria a volta ao passado. No início, Getúlio prometia eleições, mas não marcava data. De repente explode a Revolução Constitucionalista em São Paulo em 1932. Foi facilmente controlada pelo Exército. Mas Getúlio tinha de tirar os argumentos da revolta de São Paulo. Ele conduz a formação de uma Assembleia Constitucionalista. Uma nova Constituição é promulgada e eleições são marcadas. Getúlio Vargas se lança candidato e ganha as eleições. O que era para ser um governo provisório vai se transformando em definitivo. Em 1935, ocorre a tentativa de golpe de estado dos comunistas. É facilmente controlada. E é uma nova justificativa para uma grande repressão. Em 1937, Getúlio dá um autogolpe e começa uma nova fase, o Estado Novo. Uma fase extremamente ditatorial. Em 1945, Getúlio é derrubado pelos militares brasileiros que voltam da guerra da Europa.

Na época de Getúlio, os estados eram governados por interventores indicados por ele. O Paraná foi governado por Manuel Ribas. Foi um governo ditatorial, mas extremamente competente. Manuel Ribas tinha sido organizador da Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. A sua fama de bom administrador era muito grande. Foi nomeado interventor do Estado do Paraná em 1932 e cai junto com Getúlio em 1945. Faz um excelente governo. Reduz drasticamente as despesas do estado. Coloca o pagamento dos salários em dia e inicia uma fase de investimentos em infraestrutura. Constrói a estrada do Cerne, ligando Curitiba ao Norte Velho. O seu projeto era exportar o café por Paranaguá. Por falta de boas estradas, o café do Norte do Paraná era exportado por Santos.

Getúlio incentiva a industrialização do Brasil. O principal marco foi a inauguração da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda, Rio de Janeiro, com recursos e tecnologias norte-americanas. A segunda, a Mannesmann, com tecnologia alemã, em Minas Gerais, foi a última inauguração do seu segundo governo, dias antes do seu suicídio, em 24 de agosto de 1954.

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