Dom João VI (I)

Por César Graça

É uma das figuras da história brasileira menos valorizada. O seu papel foi muito importante para a construção do Brasil atual. O Brasil está vivendo um momento de reconstruir a sua história. O que descobrimos é que a história ensinada nas escolas era uma propaganda ideológica. Tinha pouca ligação com a realidade. A República tinha a visão de desvalorizar a influência portuguesa na formação do Brasil. O que hoje parece um absurdo.

O pano de fundo na época de Dom João VI era a Revolução Francesa. Que tem a data mais simbólica a tomada da Bastilha, em 14 de julho de 1789. Bastilha era uma prisão, que ficava no centro de Paris. A população tomou a Bastilha com o intuito de pegar as armas e a pólvora que ela continha. Ela é um símbolo da Revolução Francesa, pois demonstra que quanto o povo quer algo ele consegue. A Revolução Francesa é um longo processo. Começa uns três anos antes da Queda da Bastilha e termina com a subida de Napoleão ao poder em 1799, dez anos depois.

Napoleão vai ficar no poder por 15 anos, desde 1799 até 1815. Ele resolve invadir a península Ibérica em 1807. Bem no meio do seu período de domínio. As suas tropas já estavam bem desgastadas. Mas a sua imagem estava no ápice. O objetivo era controlar Portugal, que teimava em ter relações econômicas com a Inglaterra, fugindo ao controle de Napoleão.

Antes da Revolução Francesa, Portugal tinha boas relações com a França e a Inglaterra, e vivia às turras com a Espanha. A corte era dividida: a que tinha uma preferência pela França e a que tinha preferência pela Inglaterra. Isso vem para o Brasil e influencia muito a sociedade brasileira. Sempre tentando construir algo novo com os opostos, num processo eslético.

A transferência da capital do reino para o Brasil era um projeto antigo. Muitas vezes discutido. Mas nunca decidido. Era evidente a decadência de Portugal e sua pouca importância na Europa. Era uma nação com um passado glorioso. Tinha sido a nação mais importante da Europa durante o século XV. Época das grandes navegações, da descoberta do caminho das Índias, contornando a África, realizado por Vasco da Gama. Portugal vivia exprimido entre a Inglaterra, o seu principal aliado e parceiro comercial, e a Espanha. Tinha poucos argumentos para negociar com Napoleão.

A invasão das tropas francesas na península Ibérica força a vinda de Dom João VI para o Brasil em 1807. Ele chega ao Brasil no começo de 1808, com toda a sua corte. Algo em torno de 17 mil pessoas e toda a riqueza de Portugal que conseguiu carregar.

O objetivo de Dom João VI era transferir a capital do reino para o Rio de Janeiro. Só que o Rio de Janeiro era uma cidade bem acanhada. Tinha uma população de aproximadamente 50 mil pessoas. Receber a corte portuguesa não foi fácil. Vários brasileiros perderam as suas casas. Num instante o Rio de Janeiro se pôs em construção de uma forma frenética, muito parecida com a reconstrução de Lisboa depois do terremoto de 1755.

O primeiro passo foi fazer funcionar as estruturas do estado português no Brasil. Tudo que funcionava em Portugal foi copiado para o Brasil. É evidente que as estruturas físicas brasileiras não suportavam as estruturas do reino. Muita coisa precisou ser improvisada. Em seguida começou uma atividade intensa de construção na cidade do Rio de Janeiro, para acomodar melhor a corte. A ideia é construir algo duradouro, não apenas transitório.

Dom João VI se sente muito à vontade no Rio de Janeiro. Apesar do atraso da cidade, a economia do Brasil tem um PIB (Produto Interno Bruto) muito maior do que o de Portugal. Além disso, ele trouxe uma fortuna considerável de Portugal. E para facilitar as coisas, Dom João VI começa a vender títulos de nobreza, para as grandes fortunas da cidade, que estava nas mãos dos traficantes de escravos. E por último, mas não menos importante, tinha a renda da alfandega, que, com a abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional, o movimento tinha aumentado bastante. Ou seja, D. João VI tinha ideias, recursos e um grande entusiasmo dos brasileiros.

Uma das primeiras iniciativas foi invadir a Guiana Francesa. Napoleão não estava em condições de repelir a invasão portuguesa. Foi uma pequena vingança. Mas não foram só pequenos exercícios do poder. Dom João VI vai fazendo várias ações que vão fortalecendo o Brasil e criando um caminho todo próprio para a independência do Brasil, apesar de não ser o seu objetivo inicial.

Duas ações se destacam: A Missão Francesa, em 1816, e O Casamento de D. Pedro I com a Arquiduquesa da Áustria Leopoldina, em 1817. Elas foram muito importantes para o desenvolvimento do Brasil. Muito mais do que se imaginava na época.

Missão Francesa foi um termo criado muito depois do fato ter ocorrido. Foi uma forma de embalar um projeto que nasceu de uma oportunidade. Quando Napoleão perdeu a batalha de Waterloo, foi tirado do poder e aprisionado na ilha de Santa Helena, no meio do Atlântico Sul. Um dos locais mais distante de qualquer outro ponto habitado. Só sai de lá em 1821, morto. Bem na época do retorno de Dom João VI a Portugal.

Na França, com a queda de Napoleão, assume o poder Luís XVIII, irmão de Luís XVI, que tinha sido guilhotinado, pela Revolução Francesa. Esse período foi chamado Restauração. Tudo que lembrasse a Revolução foi banido. Os artistas que tinham trabalhado para Napoleão, quase todos, ficaram sem emprego na França. O Embaixador do Brasil na França, o conde de Marialva, foi sondado sobre a possibilidade do Brasil dar emprego para esses artistas. A ideia foi levada para o ministro de Dom João VI, conde da Barca, que gostou da ideia. Da ideia à realidade foi uma odisseia.

Quem organizou os franceses, para virem para o Brasil, foi Joachim Lebreton, que tinha sido diretor do Louvre. Mais de 30 artistas, com diversas habilidades, vieram. Pois as condições estavam muito difíceis para eles na França. O que os atraia era a oportunidade de trabalhar na construção de um cultura artística no Brasil. Vieram muito entusiasmo. No entanto, encontraram no Brasil uma forte oposição.

Havia uma grande defasagem entre a cultura francesa e a brasileira na época. Os brasileiros viviam ainda um barroco tardio. O barroco se caracteriza por um exagero formas, está contido dentro da contrarreforma. Ou seja, à Igreja Católica. O financiador das obras de arte era a Igreja Católica. A maioria das obras eram para embelezar as igrejas e capelas. De uma certa forma, todas as construções, da época, recebem essa influência do exagero das formas.

No Brasil, o barroco toma formas locais. A maior expressão foi Aleijadinho, com os 12 apóstolos. Obra-prima feita para o pátio da igreja de Congonhas do Campo, em Minas Gerais. As obras foram executadas entre 1794 e 1804. Ou seja, um pouco antes da chegada da família real ao Brasil.

Os artistas portugueses, que vieram com Dom João VI, já tinham sofrido a influência do Classicismo. No Período do Marques de Pombal, 1755-1777, Portugal passou por um período de intensa reconstrução. Em função de um terremoto, seguido de um maremoto e, finalmente, um grande incêndio que devastou mais da metade de Lisboa em 1º de novembro de 1755. Com a saída de Pombal do poder, em 1777, Portugal passou por um momento de retrocesso, a Viradeira.

Os artistas franceses tinha vivido um período de muitas e grandes obras na época de Napoleão no poder, 1799-1815. Vinham para o Brasil com a experiência de fazerem grandes obras. Estavam imbuídos com a ideia de construírem uma escola de belas artes nos trópicos. Sabiam que encontrariam dificuldades, mas não tinham ideia do tamanho dessas dificuldades.

Essas três correntes de pensamento entraram em choque e produziram uma construção que vai produzir grandes resultados 100 anos mais tarde, com a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro e uma cultura original. Até hoje os artistas europeus ficam chocados com a criatividade do barroco mineiro. Os músicos europeus se surpreendem com a riqueza da nossa música popular. Tudo começou com o caldeirão de criatividade que se formou no período de Dom João VI.

Os artistas francesas estavam vivendo o Classicismo. Uma volta às obras clássicas romanas e gregas sobreviventes na Europa. Todas as obras foram profundamente estudas e copiadas. Uma forte inspiração ainda do Renascimento, principalmente o italiano.

Os artistas portugueses, que na época viviam no Brasil, reagiram muito à chegada dos artistas franceses. Se sentiram ameaçados. Não estavam à altura dos artistas franceses. Estavam com muito medo de perderem os seus empregos na corte. Depois de muitas marchas e contramarchas a Escola de Belas Artes saiu do papel, com um currículo muito ousado muito à frente do seu tempo. Uma nova revolução estava começando nos trópicos.

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