Hermanos

Foto: Reprodução

Por César Graça

Os argentinos, mais uma vez, estão vivendo uma grande crise. Difícil de explicar. Como um país que já foi uma das dez maiores economias do mundo, não consegue se desenvolver? Vive crise sobre crise. Dá calote no mercado financeiro um atrás do outro. Sempre culpando os outros pelas suas mazelas.

A crise atual será amplificada pelo Coronavírus. As decisões do atual governo são estapafúrdias. É uma comédia de erros, digna de uma novela das 9. O país está de joelhos, numa quarentena obrigatória interminável.

O governo não se preparou para a crise do Coronavírus. Não sabe o que fazer. É evidente que não dá para obrigar as pessoas a fazerem quarentena para sempre. Os casos vão aumentar e as pessoas vão perceber que a quarentena não ajudou muito.

Mas essa não foi a única situação complicada. O governo não consegue um acordo com os credores. A Argentina, mais uma vez, se encontra em moratória. Tudo que o governo está fazendo é ganhar tempo. Até quando é que os credores vão ficar negociando?

Duas crises é pouco. Com a quarentena e a moratória, muitas empresas estão em dificuldades. A saída do governo foi uma intervenção na maior empresa do setor do agronegócio, a Vicentín. O objetivo era privatizá-la. Só que a população reagiu e foi às ruas. O governo voltou a trás. O maior credor da empresa é o Banco de la Nación Argentina, um banco estatal. Mais uma situação que foi para o impasse.

A única coisa que o governo está fazendo é imprimindo dinheiro e pagando as contas, mas até quando?

Para comprar dólares, na Argentina, existem várias formas. Cada uma tem uma cotação diferente. Os impostos para o setor produtivo são bastante altos. Quem mais sofre são os agricultores, que tem uma cotação baixa, para as suas exportações, e ainda pagam imposto de exportações, as retenciones. Ou seja, o peso se tornou uma moeda não conversível. É o prenúncio de uma hiperinflação.

Tudo está à beira de explodir.

A economia argentina está estagnada há décadas. A pobreza cresceu muito nos últimos anos. Boa parte da população só sobrevive graças a caridade pública.

O presidente atual, Alberto Fernández, está no cargo apenas há seis meses. Ele pertence ao Partido Peronista. A vice-presidente é Cristina Kirchner, que já foi presidenta. Alberto Fernández era secretário do seu marido, Néstor Kirchner, ex-presidente já falecido e dela, quando estavam no exercício da presidência.

Para piorar as coisas, Cristina Kirchner está sendo processada por corrupção. Quando ela assumiu a vice-presidência, os processos pararam, por causa da imunidade do cargo. O pior é que existe a suspeita que Cristina possa ser indutada pelo presidente Alberto Fernández. Algo que ele ainda não o fez, pois teme a reação popular.

A história argentina está cheia de exemplos de movimentos de troca de poder bem violentos e rápidos. Não parece ser o caso desta vez. Mas é preciso ter cuidado. Não existe uma composição política para resolver o impasse. Os dois grupos políticos principais: os peronistas, que estão no poder, e os direitista, em vários agrupamentos, que estão na oposição, estão desacreditados. Uma força política importante, os sindicalistas, também estão desacreditados. Alguns pequenos grupos de liberais estão tentando criar partidos políticos e ocupar espaços.

Por outro lado, a Argentina observa com muita curiosidade o que ocorre no Brasil. O presidente Bolsonaro chama muita atenção. Ele se envolveu na campanha presidencial apoiando o ex-presidente Mauricio Macri, que perdeu as eleições. É evidente que o presidente atual, Alberto Fernández, tem pouco apreço pelo presidente brasileiro. A imprensa argentina ecoa as notícias negativas, feitas pela imprensa tradicional brasileira, com muito estardalhaço.

A impressão que se tem na Argentina é que o presidente Bolsonaro está na iminência de ser destituído. Por outro lado, existe uma grande simpatia pelos políticos de esquerda. O ex-presidente Lula é tratado com muita devoção. Quando ainda era candidato, o presidente Alberto Fernández chegou a visitar Lula na prisão em Curitiba, e fez declarações pedindo a sua liberdade.

A evolução positiva da economia brasileira assusta os argentinos. A imagem projetada pela imprensa não corresponde à realidade. Pequenos projetos como as obras inauguradas na Amazônia, o asfaltamento da BR 163, ou no Nordeste, a transposição do rio São Francisco, não se ajustam. O tamanho das reservas brasileiras em dólar, 350 bilhões, se aproxima do Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina. Apesar de toda a crise, a inflação no Brasil está ao redor de 2% ao ano, e a taxa de juros dos títulos do governo brasileiro (SELIC) em 2,25%.

Na Argentina a inflação está em torno de 45% ao ano. Na Argentina todas as operações de compra e venda de imóveis são feitas em dólar. É muito comum os argentinos terem depósitos em dólar no exterior. Algumas estimativas falam em mais de 300 bilhões dos dólares, algo muito próximo do PIB da Argentina. No Brasil todas as operações imobiliárias são feitas em reais. As variações do dólar afetam os preços das commodities exportadas e dos combustíveis, mas pouco os imóveis. Os serviços públicos não são subsidiados, como na Argentina. A maioria das empresas públicas da Argentina precisam do auxílio do governo para continuarem funcionando. São realidades muito distintas.

A crise do Coronavírus vai aumentar essas dissimetrias. A qualidade de vida da população vai ser o principal termômetro. Já é possível ver o movimento de compras dos argentinos no comércio brasileiro de fronteira.  Esse movimento deve se amplificar com o aumento da inflação na Argentina e o abrandamento da crise do Coronavírus.

Esse olhar para ver o quintal dos brasileiros está se intensificando na Argentina. A crise argentina atual tem semelhanças muito perturbadoras com a Venezuela. Até o discurso do atual presidente se aproxima muito dos discursos do ex-presidente Hugo Chávez, quando fazia a estatização de empresas venezuelanas.

Os argentinos que vivem no Brasil são constantemente entrevistados nas rádios, na televisão e nas redes sociais, da Argentina, para explicar o que está acontecendo no Brasil. Funcionam como embaixadores informais para os meios de comunicação. Os seus relatos são perturbadores, pois destroem a imagem que a imprensa tradicional brasileira pinta do Brasil.

Muitos argentinos viajam com regularidade para passar as suas férias no Brasil. Eles voltam e relatam o que vivenciaram. Tem dificuldade para entender o momento de grandes liberdades na imprensa, na televisão brasileira e nas rádios. A diversidade de opiniões nas redes sociais é enorme. O contraditório permeia tudo.

Muitos argentinos já começam a compreender o português. O que mais assusta os argentinos é o tamanho do Brasil e a sua população de 212 milhões de habitantes. O Brasil tem uma estrutura política bastante arcaica, muito populista e demagoga. Semelhante à da Argentina. O que faz a diferença é o Exército Brasileiro que é bastante patriota. Ele tem uma participação muito ativa na política. Ele é duramente atacado pela esquerda mais fisiológica e corrupta. Mas se mantem numa linha de construção da nação.

O governo Bolsonaro é uma grande ameaça para o movimento peronista. Mostra um caminho alternativo à corrupção das esquerdas. Os avanços da economia brasileira são esforços de um governo que se opõem a tudo que a Argentina está fazendo. A curiosidade é enorme.

O interessante é o apoio que a China dá aos dois governos. Ela tem uma visão bem pragmática. Ela precisa de uma segurança alimentar. Os dois países são grandes produtores de alimentos. Ela precisa de uma rede bem diversificada para ter segurança. A China também é o país que mais dá sustentação ao atual governo da Venezuela. Pois ela depende de grandes importações de petróleo para continuar crescendo. A sua principal fonte de energia ainda é o carvão, que gera muita poluição. Esse apoio da China dá um apoio à região.

As semelhanças do atual governo argentino com o da Venezuela assustam os argentinos. O crescimento econômico e a liderança mundial crescente do Brasil incomoda bastante. O avanço tecnológico brasileiro em várias áreas, por exemplo na aviação, cria um sentimento nos argentinos, que eles estão ficaram para trás.

Os próximos meses serão decisivos para a economia argentina. A inflação deve disparar. Por outro lado, a economia do Brasil deve ser recuperar lentamente.

O contraste entre as duas economias vai provocar uma grande insatisfação na Argentina. O discurso peronista que o Brasil estava afundando não é mais plausível. O governo Bolsonaro começa a ser visto de uma forma diferente. O que deve provocar uma grande pressão para troca de governo, na Argentina.  Talvez o ponto a ser mais admirado na cultura brasileira seja a convivência com o diferente.

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