Os dois extremos

www.asemananews.com.br
Por Agência Brasil  

Por César Graça

Hoje, o Brasil é um país dos extremos. Da extrema riqueza e da extrema pobreza. Da agricultura de ponta e da indústria de ponta. O Brasil consegue produzir até três safras por ano em áreas sem irrigação e tem a indústria aeronáutica de melhor qualidade nos aviões civis regionais. Isso confunde todo o mundo. Como ser o melhor do mundo em dois extremos?

O Brasil desenvolveu uma tecnologia agrícola tropical que não existe em nenhum outro lugar no mundo. Foi um aprendizado que levou séculos. Começou com a tecnologia indígena, que conseguia produzir alimentos no meio da selva. Evoluiu para uma tecnologia de plantio direto, que não mais usava a aração. Faz o plantio da safra seguinte logo após a colheita anterior. Agora está desenvolvendo a tecnologia de plantar a próxima safra, antes da colheita da anterior. Algo que é muito difícil de entender. A criatividade do Brasil parece que não tem limites. Sempre aparece algo novo que rompe o limite anterior. E o que mais surpreende é a convivência de várias tecnologias ao mesmo tempo. Não existe um só padrão, mas vários convivendo em harmonia.

No Brasil, a diversidade de climas é muito grande. A agricultura brasileira criou diversos caminhos, que em conjunto produzem um ganho de produtividade de dois a três por cento ao ano. E isso já vem ocorrendo nos últimos quarenta anos. A tendência é que isso se mantenha nos próximos anos. Com essa conquista contínua de produtividade, a rentabilidade também está crescendo. Essa é a chave da sustentabilidade do crescimento.

Com o crescimento dos preços internacionais das commodities agrícolas, a rentabilidade aumentou mais ainda. O que está levando a um novo impulso de crescimento que é o aumento da área plantada, que normalmente cresce em torno de três por cento ao ano. Com uma alta lucratividade, esse percentual pode passar facilmente de cinco por cento ao ano.  Somando os dois efeitos, aumento de produtividade e aumento da área plantada, o crescimento da agricultura deve ficar entre oito e dez por cento ao ano. O que é um ritmo muito forte de crescimento da nossa agricultura.

O contraditório é a marca da nossa personalidade. A convivência com o diferente. O equilíbrio da convivência com os infinitos diferentes é algo totalmente novo em outros países. Num mundo que procura sempre um caminho único, do protocolo padrão, do padrão único. No Brasil, a diferença é valorizada, perseguida, descoberta. Não existe um só padrão, mas infinitos, convivendo em harmonia.

É uma nova referência. O mundo observa o Brasil com muita indignação. Construímos o nosso próprio caminho. É diferente, é nosso. Somos assim todos diferentes, vivendo em harmonia. Esse é o primeiro choque que o estrangeiro vê quando chega no Brasil pela primeira vez. A diferença de seres humanos é a nossa marca. Todos os padrões aqui se dissolvem e fazem a harmonia da convivência do diferente.

Quando o mundo começa a aceitar a liderança brasileira no desenvolvimento de uma tecnologia agrícola ímpar, vem a tecnologia aeronáutica de qualidade. Por isso ninguém esperava. Os aviões comerciais brasileiros estão na ponta. São os aviões mais econômicos, mais confortáveis e, pasmem, os mais silenciosos. Ninguém esperava aviões silenciosos.

Nos aeroportos no centro das cidades, as regras do silêncio reinam soberanas. Aí os aviões da Embraer reinam imbatíveis. Essa é uma característica bem brasileira, entregar algo mais que o cliente não estava esperando. É a cerejinha do sundae. Isso pega os clientes desprevenidos e os encanta. Encantar os visitantes faz parte da cultura brasileira. Eles ficam cativados.

Foi um choque para a Boeing e para a Airbus que viam a Embraer se destacar sem muito entender. A forma como as companhias aéreas viam os produtos da Embraer chama atenção. O principal concorrente da Embraer era a Bombardier. Mas ela estava passando por dificuldades. Não conseguia mais competir e tomou uma decisão ousada, criar um avião, a Série C. Para desenvolver esse projeto a Bombardier tomou recursos do governo do Canadá e do Reino Unido. A proposta era gerar uma grande quantidade de novos empregos. Mas os recursos não foram suficientes.   Para comprar os novos aviões, os clientes queriam grandes descontos. A Bombardier acabou vendendo os aviões abaixo do custo de fabricação. O que levou a empresa à falência. Para não perder tudo, a Bombardier deu 50% do projeto para a Airbus. E, como não tinha recursos para continuar no projeto, vendeu os outros 50% a preços irrisórios.

A Airbus viu uma oportunidade de tirar a Embraer do mercado de aviões comerciais de 70 a 150 lugares. Para isso continuou vendendo os A220, os antigos Série C, abaixo do custo de fabricação. Chegou a vender mais de 600 aparelhos nestas condições.

A Embraer se sentiu acuada. Não dava para competir com o poder financeiro da Airbus. Por outro lado, a Boeing viu a estratégia da Airbus como um grande desafio. Não tinha aparelhos nesse nicho e demoraria pelo menos cinco anos, talvez mais, para desenvolver uma nova família de aparelhos para esse nicho. Uma alternativa seria se unir à Embraer e disponibilizar a família de aviões comerciais com o nome Boeing, copiando a estratégia da Airbus.

Aparentemente a união seria benéfica para a Embraer e para a Boeing. Depois de longas negociações, as conversas evoluíram para a compra da parte civil da Embraer por volta de quatro bilhões de dólares. Só que a situação econômica da Boeing mudou significativamente com os problemas que ocorreram com o B737 Max. Foram dois acidentes que mataram mais de 350 pessoas, num prazo de menos de seis meses. Isso chocou o mundo inteiro e colocou todos os aparelhos B737 Max no chão. Ficaram impedidos de voar até que a causa das quedas fossem analisadas e os problemas fossem resolvidos. Isso levou quase dois anos.

Com a perda da receita, das vendas dos aparelhos aterrados, a situação da Boeing piorou rapidamente. Ela teve que fazer empréstimos vultosos, inclusive junto ao governo norte-americano. Não tinha mais espaço para a Boeing comprar a parte da aviação comercial da Embraer. A Boeing desistiu do negócio, colocando a culpa na Embraer.  Esse imbróglio está nas cortes dos Estados Unidos.

Para piorar as coisas veio a epidemia e a demanda para novos aviões caiu rapidamente. A solução da Embraer era tentar sobreviver sozinha. Logo se viu que os problemas da Boeing e da Airbus eram muito maiores do que os da Embraer.  A queda da demanda foi muito maior nos aviões maiores e de longo curso, atingindo duramente as vendas da Boeing e da Airbus.

A quantidade de passageiros diminuiu. Os aviões menores foram mais demandados. O que criou um mercado para os aviões da Embraer, principalmente os usados. Alguns clientes gostaram muito da nova geração dos aviões comerciais da série E2, que são mais econômicos e silenciosos.

Quem voa nos produtos da Embraer se sente cativado. A disposição de dois assentos de cada lado dá mais conforto. O nível baixo de ruído da série E2 encanta os clientes.  Para a Embraer foi uma grata surpresa. Os clientes que voam bastante dão muito valor aos aviões silenciosos. A imagem que ela fabrica aviões de melhor qualidade ficou reforçada.

Por outro lado, os clientes da Boeing e da Airbus só veem uma agenda negativa na imprensa tradicional. Vários aparelhos da Boeing têm apresentado problemas. O último foi em alguns aparelhos B737 Max, que foram retirados de disponibilidade e submetidos a uma correção preventiva.

A Airbus fez acordos na justiça para escapar de processos de suborno na venda de aviões. Os eventos já aconteceram há bastante tempo. O acordo revela que a Airbus realmente cometeu tais atos. Isso comprometeu a sua imagem.

O contraste de imagem da Embraer com as duas líderes, Airbus e Boeing, é gritante. Difícil de esconder. Algumas companhias aéreas já perceberam isso e fazem propaganda dos seus aparelhos da Embraer. Mostram que possuem algo bem melhor. Isso incomoda muito a concorrência. Boeing e Airbus vão demorar um bom tempo para fazerem aviões mais silenciosos, vão ter que mexer muito nos seus projetos. Perceberam que os clientes não gostam de barulho. Que eles dão muito valor para os aviões silenciosos.

Neste momento, de uma grande crise no setor aéreo, ter um diferencial que chama muito atenção é algo de muito valor. Toda a estratégia da Airbus de tentar quebrar a Embraer, vendendo os seus A220 abaixo preço do custo de fabricação, a colocou em maus lençóis. Jogou o seu aparelho, o A220, na xepa da feira. A imagem que passou para os clientes é que vendeu barato porque era um produto inferior. Mesmo que não seja. Vai ser difícil refazer essa imagem.

Mas esse é só um lance num mercado de um duopólio. A epidemia só acentuou as fraquezas da Boeing e da Airbus. Passada esta fase, cujos efeitos podem durar anos, elas tentarão recuperar as suas posições. E voltarão ao ataque à Embraer. Isso é muito provável.

Resta a Embraer se antecipar, mudar a sua estratégia e lançar produtos para concorrer no mercado da Boeing e da Airbus. Isso é uma mudança e tanto. A Embraer sempre teve muito cuidado em não pisar nos calos das duas empresas líderes. Sempre colocou claro que não queria competir com elas.

Hoje a Embraer está faturando em torno de 3,5 bilhões de dólares por ano. Nos seus melhores momentos chegou a 5 bilhões de dólares. A Airbus chegou a 50 bilhões de dólares e a Boeing a 100 bilhões de dólares, metade na área civil e a outra metade na área militar. Se a Embraer se lançar na disputa da liderança da fabricação de aviões civis poderá alcançar um faturamento entre 30 e 50 bilhões de dólares. Algo impensável há alguns anos, mas possível de ser alcançável em alguns anos.

O faturamento nas exportações do complexo soja está ao redor de 50 bilhões de dólares. Isso significa que se a Embraer participar ativamente pela disputa na liderança da aviação civil mundial gerará receitas equivalentes ao negócio soja, que hoje é o propulsor da nossa economia. Em nenhum outro setor o Brasil tem uma oportunidade tão boa de crescimento e de gerar tanta  riqueza para o Brasil. Nenhum outro país no mundo tem essa oportunidade neste momento, nem a China e nem a Rússia. Apesar de estarem se lançando em projetos de grandes aviões comerciais. Falta a eles credibilidade. Algo que não se constrói do dia para a noite. Credibilidade é algo que a Embraer tem de sobra. Esse é um patrimônio que ela construiu ao longo de várias décadas.

Esse crescimento da Embraer terá um grande impacto na nossa economia. O principal é o início das exportações de bens industriais em larga escala. Algo que o país nunca fez. As nossas exportações industriais sempre foram pontuais. O México exporta o dobro do Brasil. Isso se deve às exportações de automóveis para os Estados Unidos. Isso gera uma grande quantidade de empregos. Só que empregos de baixa qualidade. As fábricas automobilísticas instaladas no México não desenvolvem tecnologia localmente. Elas são meras montadoras. Com a Embraer acontece o contrário. Ela desenvolve tecnologia aeronáutica de ponta no Brasil. Por esse motivo, os empregos são de melhor qualidade. Os salários médios são melhores.

O Brasil está precisando gerar desesperadamente novos empregos. A epidemia acelerou a automação, o que reduziu drasticamente a quantidade de empregos. Principalmente os de baixa qualificação.

Gerar uma grande quantidade de empregos de alta qualidade, que paga bons salários, vai dar um grande impulso na nossa economia. Um grande salto de qualidade. Algo que estamos precisando desesperadamente.

O crescimento da nossa agricultura gera poucos empregos, pois ela é de alta tecnologia. E a maioria dos empregos gerados são no interior do país. Falta empregos nas grandes cidades. O desenvolvimento da nossa indústria de exportação geraria um grande alívio nos grandes centros industriais. Onde o desemprego está muito alto. Sem perspectivas de cair no curto prazo.

Essa tecnologia vai se espalhar para outras áreas. O que deve dar uma nova dimensão de qualidade à nossa indústria. Por esse motivo, a estratégia da Embraer para se lançar à disputa da aviação comercial mundial é tão importante para o Brasil.

Hoje, o Brasil é um país essencialmente agrícola. Gera uma tecnologia agrícola de ponta. Extremamente competitiva, mas que gera poucos empregos. Uma entrada expressiva do Brasil no rol dos países exportadores de tecnologia industrial de ponta insere o Brasil no seleto grupo de países desenvolvidos. Por esse motivo, um crescimento acelerado da Embraer é extremamente estratégico para a economia brasileira neste momento.

- Anuncie Aqui -